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Chico Cesar lança quinto CD

Respeitem Meus Cabelos, Brancos é o nome do disco que mistura sonoridades do pernambucano Naná Vasconcelos, do carioca Marcos Suzano, o eletrônico Will Nowat entre muitos outros

Por Agencia Estado
Atualização:

Dono de obra que é quase sempre de deslocamento, mirada de mundo por paralaxe (Mama África, a minha mãe é mãe solteira), Chico César começa a provocar já no título de seu novo, quinto, disco, ao inserir uma vírgula na frase (incompleta) que encerra o samba famoso de Herivelto Martins: "Respeitem Meus Cabelos, Brancos" . Foi uma idéia que lhe veio no último carnaval. Cantou em João Pessoa (é paraibano, mas de Catolé do Rocha) e no Recife e deu-se conta do quanto mobilizava o público, no chão, com a música Mama África (para dança, prazer e, quem sabe, depois disso, pelo entendimento do que trazem os versos). Na capital pernambucana, em certo momento, a dança ficou violenta, punk. A polícia entrou para bater. Chico César interrompeu o show e fez um discurso irado. Disse: "Esse tempo de bater em preto e pobre já passou, aqui a gente se governa." A polícia saiu e ficou num canto, olhando. O compositor dirigiu-se ao público: "Agora é conosco, autogestão." A festa seguiu sem outros incidentes. Do micro para o macro: "respeitem meus cabelos, brancos", é Chico César, um artista que se fez à margem dos esquemas comerciais e irrompeu no circuito das grandes gravadoras à custa de uma popularidade conquistada no boca a boca, nos shows em casas noturnas e no interior, falando de si. É, também, o astro internacional Chico César falando do mundo. "O ´respeito´ deixa de ser só o que o branco deve ao negro; é também o que o palestino diz para o Sharon, pelo direito de ter um país, ou o latino-americano que diz para o Bush, pelo direito à autogestão - e aí estão todos, índios, brancos, negros." Mais: "Eu falo pelo meu direito de pertencer ao meu tempo sem ter a obrigação de fazer um ´som´ característico do meu tempo, enquadrado em normas e preceitos." Chico sabe do que fala, pois urdiu assim a carreira e é respeitoso com ela e incorpora ao seu leque de referências os sotaques, as cores de pele, os instrumentos, os gêneros musicais que encontra pelo caminho, sem deixar de ter o pé fincado nos elementos da primeira formação - o que ouviu na infância paraibana. Metáforas, metáforas: "Cabelo veio da África/ Junto com meus santos/ Benguelas, zulus, gêges/ batuques, toques, mandingas/ Danças, tranças, cantos/ (...) Se eu quero pixaim, deixa/ Se eu quero enrolar, deixa/ Se eu quero colorir, deixa (...)." E cada um faça o que quiser com o seu. "Cabelo é evidente, mas há coisas não evidente. E se falo da evidência, o que não é evidente pode aparecer", pretende. O que Chico pretende, ainda, é fugir da redundância, que é a base da canção popular. "Mesmo quando faço música cheia de ternura, há um estranhamento, e isso tanto é um propósito quanto uma pulsão - fazer conjugarem as cordas escritas por Nelson Ayres e a programação eletrônica do produtor anglo-suíço Will Nowat, num exemplo simples. Deslocamento: "A minha natureza, agora, é cultura. O que eu faço, agora, é mantural. Mas o meu estado natural, agora, é o de compreender a cultura. É colher os elementos que me formaram e explicitá-los, mesmo que isso choque." Que choque. CD tem múltiplos sotaques - Múltiplos sotaques, timbres, tambores concorrem para dar corpo único à sonoridade de Respeitem Meus Cabelos, Brancos o pernambucano Naná Vasconcelos, o carioca Marcos Suzano, o eletrônico Will Nowat, os sopros da paulista Banda Mantiqueira, da paraibana Metalúrgica Filipéia, o contrabaixo nordestino de Xisto Medeiros e a nova bossa nova brasileiro-londrina do Smoke City, um poema em castelhano do espanhol Luís Pastor lido pela alemã Constanze Eselt. O dueto com Chico Buarque, mais convidado especial, no estranhíssimo abolerado Antinome, que concorreu naquele estranhíssimo festival de música promovido pela TV Globo: "Chamo-te pelo antinome, pai/ Quando o invisível/ Some e se esvai/ Em vinho que não bebo/ Em pão que não comerei jamais." No fundo, em sabor piazzoleano, a sanfona de Toninho Ferragutti. No novo disco, Chico César recorre às parcerias já sabidas com Carlos Rennó, Tata Fernandes e Milton di Biasi, inaugura colaboração com o pernambucano Bráulio Tavares e apresenta a compositora Vanessa Bumagny - não é única parceria deles, mas é a primeira que ele grava. A bela canção Pétala por Pétala, dele e de Vanessa ("Sua presença me faz rir/ Dos dias feitos pra chover") é balada de um Roberto Carlos mais sofisticado, mas o sotaque é esse mesmo, de iê-iê-iê, e o gênero, ou subgênero, faz parte da formação de Chico César e freqüenta desde sempre sua criação. Que se vai sofisticando a cada novo disco, tanto na estrutura das composições (melodia e poesia) quanto na vestimenta dos arranjos. Ainda que não seja tão áspero quanto o CD anterior, Mama Mundi, este Respeitem Meus Cabelos, Brancos não é produto para consumo imediato e descartável. Pode até ser consumido rapidamente - sua engenhosa carpintaria não o faz necessariamente difícil -, mas nunca descartado. Em todo caso, Chico César não quer soluções fáceis. A balada amorosa traz na entranha estranhos contrastes ("Céu negro/ Com arco-íris de néon) e constatações de que as canções de amor costumam fugir (...) Eu queria, eu faria/ Amor com você/ Até a cerveja acabar/ E alguém sair pra comprar"). E as tantas combinações de sotaques, as novas companhias e instrumentações não afastam o músico de sua terra natal. Em dois números, isso é óbvio: Sem Ganzá não É Coco e Flor de Mandacaru. Nas outras dez faixas, para quem queira e saiba ouvir.

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