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Chico Buarque fala de tudo um pouco

O compositor lança Carioca em CD e DVD, com cenas de bastidores, e fala de rap, Zezé di Camargo e da cidade de São Paulo

Por Agencia Estado
Atualização:

Ele é carioca e afirma isso não só no título mas em várias referências geográficas e sonoras do novo álbum, o primeiro solo de canções inéditas desde 1998. Mas Chico Buarque não é bairrista e numa de suas muitas sacadas espirituosas disse que o disco é uma homenagem a São Paulo, porque foi Carioca o apelido que ganhou aqui quando morou nos anos 50. Teve gente que não entendeu a piada e, para completar, as críticas que fez ao urbanismo da cidade deram o que falar nos últimos dias. "Não sou bairrista, só não gosto de mau humor", disse. "Você mora em São Paulo? Parabéns!", zombou do repórter, às gargalhadas. Produzido por Vinicius França, com arranjos e direção musical de Luiz Cláudio Ramos, Carioca é a primeira produção independente da carreira de Chico e foi lançado hoje pela Biscoito Fino em duas versões: CD simples e dual disc, incluindo um DVD com os bastidores das gravações. É nesse DVD que ele brinca com a homenagem aos paulistanos. Para quem não se lembra, antes de se tornar compositor e escritor, Chico estudou na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) e foi aluno de Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha. Bem, fala sério, não há paulistano consciente que discorde de Chico quando diz que urbanisticamente a cidade está ficando cada vez pior. Embora Carioca traga embutidas muitas lembranças de bons tempos de São Paulo e do Rio, Chico diz que não é um disco saudosista. Ele prepara turnê para o segundo semestre e faz uma prévia em Berlim, no dia 16 de junho, dividindo o palco com Mart?nália, dentro dos eventos musicais da Copa da Alemanha. A seguir, tópicos da entrevista em que ele discorre sobre temas relacionados ao disco, entre reminiscências, rap, cinema, Zezé di Camargo (muitos fãs de Chico torceram o nariz quando ele aceitou o convite para gravar um dueto com o sertanejo em Minha História) e sonhos - tema recorrente em suas letras, que agora volta em Outros Sonhos, com a qual defende a descriminalização das drogas. São Paulo é invivível Não é nem detestável, é invivível. Na semana passada fiquei lendo sobre a intenção da Prefeitura, ou sei lá de quem, de resolver o problema do engarrafamento aumentando as pistas da Marginal, invadindo o canteiro central. A cidade já não tem verde e o pouco que tem vão tirar. A cidade fica careca, não absorve a água, dá enchente, e aí vejo na televisão a cidade, que já não é bonita, paralisada, onde ninguém anda. Ao mesmo tempo chego a São Paulo e, ao contrário dos cariocas, que têm o costume de xingar, de falar mal da própria cidade, costumo encontrar gente bem-humorada, que aceita essas coisas com naturalidade. Agora, a cidade urbanisticamente não deu certo. Não falo da arquitetura, porque a arquitetura de São Paulo tem coisas muito mais interessantes do que a arquitetura moderna do Rio, na Barra da Tijuca. Aquilo é uma excrescência arquitetônica Sofisticação sonora Há um depuramento maior, certamente. Quando faço um disco novo, quero gravar um disco novo em relação ao que já fiz. Mas não há nenhuma busca de complicações, pelo contrário. Gostaria até que fosse tudo mais simples. Quando digo que tenho de abandonar a literatura, é para conseguir encontrar de novo a linguagem da canção. Mas também discordo que a música tem de ser facilmente escutável, porque já me acostumei com a idéia de que as músicas não vão tocar no rádio. Se tocarem, vai ser por acidente. Não tenho esse compromisso, então imagino que as músicas serão ouvidas por gente que ouve um disco inteiro mais de uma vez. Sonhos Não é uma obsessão, mas sou muito curioso nesse assunto e guardo alguns sonhos. Tenho essas idéias de sonhos permanentemente. Tem até músicas que sonho, mas sou outro compositor quando sonho com música e às vezes acordo e a música está pronta. Mas estranhamente nunca são as minhas músicas. São sempre de outros autores, como Zeca Pagodinho e outros inventados, nunca alguma que eu pudesse aproveitar. Reminiscências A letra de Leve é atual, a música remete à Copacabana da minha infância, como talvez o arranjo de Sempre traga algum ar de anos 50. E há algo de reminiscência nesse disco, até quando se fala do título como referência ao meu apelido Carioca. Há reminiscências na letra de As Atrizes, que é uma música do carioca pré-adolescente que morava em São Paulo, mas é só isso. Imagina é um caso muito engraçado. Fiquei sabendo recentemente que era uma música de juventude do Tom. Conheci essa música durante a preparação da filmagem de Pra Viver um Grande Amor. E o Tom nunca me disse que essa música era antiga. Isso foi em 1982. A letra de Leve, não é saudosista, é juvenil. Mas fica nisso, no resto o que há são releituras. Mesmo os arranjos do Luiz Cláudio são modernos, ousados. Acho que musicalmente nesse sentido é um disco até atrevido. O fim da canção Não fui eu que levantei essa lebre. Foi um jornalista italiano que uma vez comentou isso comigo e ele também não tinha inventado isso na hora. Alguém diz que a canção nesse formato talvez seja própria do século 20 e no século 21 pode ser que ela caia de moda, venha outra coisa. A comparação era com a ópera, típica do século 19 e não sobreviveu ao século seguinte. A música brasileira, que tinha um pé na polca, nas músicas de salão, na música dos escravos, foi se transformando, primeiro no maxixe, depois no samba e tal. Isso é um argumento contra mim, que procuro desmentir fazendo canções. Mas quem disse que daqui a 50 anos, olhando para trás, este disco, por exemplo, não seja tardio, um disco do século 20 que apareceu em 2006? Rap Essa enxurrada de revivals, compilações, de revivência de músicas do século passado, talvez seja sintoma de que hoje não é mais necessário fazer músicas novas. E talvez também o rap seja uma negação desse formato de música. Não sei se é. No caso de "Ode aos Ratos", desde o começo disse que essa música ia entrar no disco. Tinha a idéia de introduzir um elemento novo. E tinha pensado num rap. Mas eu não soube fazer direito e depois comecei a ficar duvidando um pouquinho dessa idéia. Já via muito rap utilizado em comerciais e não sei quê, talvez não fosse uma boa idéia, mas era. Aconteceu que na tentativa de fazer o rap, surgiu a embolada. É parecido, só que tem melodia, mas tem o ritmo dos fraseados, as rimas internas, as aliterações, é meio um pouco Jackson do Pandeiro. Foi interessante isso, aí cobri esse buraco, achei que podia continuar cantando e experimentei isso no estúdio. O Rodrigo (de Castro Lopes), que é o engenheiro de som, sugeriu colocar aquela distorção na voz, que parece som de radinho de pilha. Eu gostei do efeito e tal. Cinema e teatro O disco tem algumas músicas feitas para cinema uma para teatro (Ode aos Ratos) e duas que falam de cinema, mas isso foi por acaso. Acho que ao longo da minha carreira discográfica, pelo menos a partir dos anos 70, quase sempre havia nos discos algumas músicas que eram feitas para teatro ou cinema. Eu me lembro que antes da Ópera do Malandro ficar pronta, já tinha algumas músicas que incluí no disco anterior, porque estavam ali, deu vontade de gravar. As Atrizes fiz em cima daquela entrevista que tinha dado para o Roberto de Oliveira (diretor da série da DirecTV, lançada em DVD), falando das minhas lembranças de garoto, na minha fascinação pelas atrizes francesas, as moças nuas que vi pela primeira vez quando estive em Paris. Depois de ter falado sobre tudo isso, achei que dava um bom tema e escrevi a música, que entrou no programa. Depois, o mesmo Roberto pediu uma música para o programa dele que abordava cinema. Falei, "pô", mas já fiz. Achei que não podia fazer, porque já tinha feito, depois achei que podia fazer exatamente por isso, seria uma atualização desse tema, trazer a idéia daquela fascinação pelas atrizes para hoje. Daí fiz Ela Faz Cinema. Duo com Zezé Conheci Zezé di Camargo numa reunião com Lula e outros artistas. A idéia é dele, não minha. Ele que quis gravar Gesubambino, que é uma versão minha, e me convidou para gravar Simplesmente isso. Não fui gravar de caso pensado. Foi um convite dele, que aceitei com prazer. Foi muito bonito a forma como foi feito. Mas, sinceramente, a esta altura do campeonato, não posso nem pretender atingir esse ou aquele público. Faço aquilo que tenho prazer de fazer, aquilo que eu sei fazer. O rap sim, é uma forma de me atualizar, quer dizer, procuro utilizar os recursos modernos, tecnológicos, ou usar elementos pop na música, coisas que vão se incorporando. Isso é natural. Não quero fazer uma música de 40 anos atrás, é uma música feita agora, gravada com as condições de hoje e incorporando o que eu ouço. Não é que eu escute tanta música assim. Ouvido musical Ouço aleatoriamente o que me chega, ouço às vezes o que quero ouvir e o que não quero também, mas são coisas que vão impregnando meus ouvidos. Por mais que eu não queira eu ouço aquilo, tanto é que costumo brincar que detesto música. Porque se eu estiver aqui conversando com você e tiver uma música tocando, não vou conseguir conversar direito porque vou ficar ouvindo aquela música, que vai ficando chata porque me atrapalha. Mas na verdade a música me suga. Então, o tempo todo estou ouvindo essa trilha sonora difusa da cidade, no rádio do botequim, no carro que o sujeito passa ouvindo alto, a música que eu ponho no meu CD, isto tudo vai se misturando com as informações antigas, porque isso você não abandona nunca. Tenho o ouvido já feito, a cabeça feita por uma quantidade grande de influências que ainda não esgotei. Obs.:O repórter viajou a convite da gravadora

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