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CD do Audioslave mostra o que é rock pesado

Em Out of Exile, o quarteto norte-americano apresenta 54 minutos de rocks e baladas, tudo pesado, tudo suingado Ouça Your Time Has Come [versão em RM] [versão em WMA]

Por Agencia Estado
Atualização:

O Audioslave me lembra Crocodile Dundee. A horas tantas de seu segundo filme, em visita a Nova York, o australiano Paul Hogan cruza, sob um viaduto mal-iluminado, com uma gangue de jovens delinqüentes que pretende assaltá-lo com ?uma faca?. Na verdade, pouco mais que um canivete. Acostumado a pegar jacaré a unha, nosso herói nem pisca: ?Não, isso não é uma faca. ?Isto? é uma faca.? E saca uma lâmina de meio metro. Imagino o Audioslave passando por uma área mal-iluminada do cenário roqueiro. Uma gangue de delinqüentes de butique, carinhas de maus, bonés virados ao contrário, se aproxima tentando intimidá-lo com um ?rock pesado?. São, na verdade, pouco mais do que ?boy bands? com guitarras, para usar a feliz expressão do colega Tom Leão. O Audioslave não se abala: ?Não, isso não é rock pesado. ?Isto? é rock pesado.? Agora o americano Audioslave saca da bainha Out of Exile (lançamento nacional Epic/BMG). São 54 minutos de rocks e baladas, tudo pesado, tudo suingado, para afugentar-atrair a molecada mais uma vez. Quando saiu seu primeiro disco, dois anos e meio atrás, enumerei aqui no site a mauriçada que se propunha a fazer rock pesado naquele momento. Dos mencionados, apenas o System of a Down se destacou (e bem) da alcatéia. Talvez não por coincidência, com o mesmo produtor do Audioslave: Rick Rubin. Aliás, o responsável por Make Believe, CD do Weezer, tema da coluna passada. Dos não-mencionados, os Queens of the Stone Age também foram adiante, mastigando clichês. Diferentemente das duas bandas citadas no parágrafo anterior, o Audioslave se aproxima desse genérico ?rock pesado? não pelo heavy metal, que na prática se lhe tornou sinônimo, e sim pelo hard rock, que o gerou. Em outras palavras, embora Chris Cornell (voz), Tom Morello (guitarra), Tim Commerford (baixo) e Brad Wilk (bateria) tenham juntado seus trapinhos na virada de século, suas referências estão na virada dos anos 60 para os 70, coisa de Led Zeppelin e Free. Como se Judas Priest, Iron Maiden e Metallica nunca tivessem existido. Seu rock pesado, portanto, é claramente imbuído de blues e deixa cada instrumento em seu lugar, o que permite apreciar todos os solos e marcações. O Audioslave se parece mais, mas não muito, com a banda anterior de seu vocalista, o Soundgarden, de Seattle, banda de épicas litanias e senso de tempo. A de seus instrumentistas, o Rage against the Machine, que recobria os mesmos clichês de heavy metal e funk da nossa hipotética gangue de butique com letras altamente politizadas, mal se faz sentir. Cornell, Morello, Commerford e Wilk já haviam logrado, em Audioslave (2002), criar uma terceira via, uma terceira banda. Agora, em Out of Exile, reafirmam seus laços. É boa notícia, posto que originalmente o Audioslave era para ser apenas um projeto de entressafra, um grupo de um disco só. Estamos no lucro. Porção considerável de suas letras não vai muito além do adolescente. São cantos de auto-afirmação, necessários àquela fase da vida (que os membros da banda já ultrapassaram etária e artística mas não comercialmente há tempos) na qual a gente não sabe quem é, ou vai ser. Só mais um animal coberto de espinhas na selva. ?E ser você mesmo é tudo o que pode fazer?, aconselha Be Yourself, o baladão que puxa o disco. ?(...) Não perca sono à noite/ Tenho certeza de que tudo vai terminar bem/ Você pode ganhar ou perder.? Faixas adiante, The Worm volta ao assunto: ?Aconselhei-me no ombro errado/ Tomei um monte de tudo/ Decidi fazer direito com meu.../ Halo - Eu estou completo.? Compreensivelmente, em se tratando de um grupo que furou o bloqueio imposto por seu próprio país e se apresentou para mais de 50 mil pessoas em Havana, Cuba, há um pouco de verniz político. Como na sacudida Your Time Has Come, que abre o CD lembrando um pouco a levada de Neil Young em ?Hey hey, my my (Into the Black). Ela retoma o clima apocalíptico caro ao Soundgarden e já presente no seu primeiro álbum para falar de guerra, no caso específico, a partir da do Vietnã: ?Eu vi 50 mil nomes gravados na pedra/ Muitos encontraram uma morte precoce antes de eu nascer/ Todos deixaram irmãos e irmãs e mães para trás/ Muitos de seus parentes e amigos ainda estão vivos e pagando a pena.? Tudo leva a crer que, engrenado o grupo, o Audioslave fará um terceiro CD. Até aqui, em músicas como Cochise e Like a Stone (do primeiro álbum), como Heaven?s Dead e The Curse (deste segundo), ele cumpriu um papel quase didático: lembrar às novas audiências de rock pesado como começou o blues hipereletrificado, levado por excelentes vocalistas e instrumentistas. Cornell não é nem Robert Plant nem Paul Rodgers, hoje no Queen. Morello não é nem Jimmy Page nem Paul Kossoff, desde 1976 no céu. Etc., etc. São, porém, quatro bons músicos que não se contentam com a vigente dialética do berro e do sussurro. Cabe-lhes, agora, ir realmente adiante.

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