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CD de Bebel Gilberto inova os clássicos

Tanto Tempo, lançado no ano passado, sucesso internacional, é um primor de sofisticação que alia em simbiose verdadeira os cânones bossa-novistas ao som do século iniciante

Por Agencia Estado
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A bossa nova com a blue note pronunciada logo no fim da terceira frase - do Samba da Bênção: "É assim como o amor no coraçã-ão" - pode espantar um pouco, na primeira mirada, mas o pulso do violão de Luís do Monte e a percussão intensa, com a vassourinha às vezes dobrando o tempo, nas mãos de João Parahyba, ficando a orquestra possível substituída pela música programada por Amon Tobin, brasileiro radicado em Londres, conformam, na verdade, uma das poucas tentativas bem-sucedidas de usar o gênero num formato contemporâneo, palatável a certo público jovem de gosto internacional como a bossa nova do primeiro tempo encantou os amantes do jazz. Não fosse a neobossa-novista Bebel Gilberto, filha de João, inventor da coisa toda, e de Miúcha, cantora de carreira de pouco alarde, mas imensa importância e irretocável qualidade (seus discos - de bossa - com Tom Jobim estão entre o que de melhor foi produzido no gênero). Alguma herança haveria de carregar consigo, e foi muita e ótima herança. Tanto Tempo , seu CD lançado no ano passado, sucesso internacional, é um primor de sofisticação que alia em simbiose verdadeira os cânones bossa-novistas ao som do século iniciante, e que não se resista a ele. A questão dos híbridos não é muito simples. Os cruzamentos de bossa nova (ou de samba, de choro, de valsa de esquina, modinha, maracatu) com os produtos e subprodutos do pop internacional são muito mal equacionados. Há outros exemplos dignos, poucos - o trabalho de Marcos Valle, que anda fazendo sucesso na Alemanha, é um desses exemplos dignos, como também a obra de Joyce - mas Marcos, opcionalmente, deixa a bossa quase em seu formato histórico e parte, em faixas alternadas, para a abdicação quase total do formato. Joyce estabelece um caso à parte, pois, mesmo sendo da bossa nova, inquestionavelmente, evita lançar mão da levez cool bossa-novista. Isso tem pouco a ver com propósito de fazer agrado ao gosto internacional - Joyce foi sempre uma violonista vigorosa e uma cantora explosiva, coisa que talvez seja traço temperamental. Um fato é que a bossa nova é música chique, como demonstra a utilização que o cinema, mesmo comercial, faz dela - cenas chiques têm bossa nova como fundo musical - e como os jazzistas já sabiam há 40 anos. Outro fato é que Bebel Gilberto o compreendeu isso como nenhuma outra cantora de agora e, como nenhuma outra, resolveu fundar a própria linguagem, tendo a bossa como ponto de partida. Mas estabelecer seus próximos parâmetros não quer dizer fazer música boa, necessariamente. Bebel Gilberto faz música boa - quando compõe, quando escolhe um clássico para cantar, quando estipula a maneira como a música escolhida deve soar. Basta ouvi-la no Samba e Amor, de Chico Buarque, uma canção cujas possibilidades pareciam esgotadas pelo autor e por Caetano Veloso, que descobriu uma subida de oitava para marcar certo fim de frase. Bebel, como uma Maysa de seu tempo, manda dizer que há muito por descobrir.

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