Caymmi: um mito em apenas 7 CDs

A conhecida preguiça do cantor e compositor baiano não impediu que ele produzisse uma obra inigualável em 70 anos de carreira. ´Caymmi, O Amor e O Mar´ vai relembrar essa trajetória

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Por Agencia Estado
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Um dos maiores mitos vivos da música brasileira terá sua obra revisitada no mais audacioso projeto fonográfico realizado em seus quase 70 anos de carreira. Uma caixa com sete discos e um livro, intitulada Caymmi, O Amor e O Mar, pretende passar a limpo a trajetória musical do cantor e compositor baiano Dorival Caymmi. Seis discos trarão toda a obra do artista lançada pela gravadora EMI. Cada álbum terá, em média, 25 canções. Um sétimo CD está sendo preparado com composições de Caymmi nas vozes de outros artistas. O livro, com informações sobre as músicas e curiosidades de Dorival, foi escrito por jornalistas como Tárik de Souza e Luís Antônio Giron. O projeto, que virá em luxuosa caixa, estará nas lojas logo na primeira semana de dezembro. O preço será, em média, de R$ 140. Além de ter praticamente toda sua obra revisitada, a vida de Dorival Caymmi também está sendo esmiuçada para virar livro. Sua neta Stela, filha de Nana Caymmi, pesquisa há cerca de dois anos todos os passos dados pelo avô. Ela prepara com capricho, para o início do próximo ano, uma biografia que promete revelar fatos novos. A maior empreitada em torno de um dos mais importantes compositores nacionais do século já nasce sob fogo cruzado. Nana Caymmi afirma que toda a concepção do projeto foi roubada dela e de sua filha Stela. "Cheguei para o Aloysio (de Oliveira, presidente da EMI) e falei que tínhamos a intenção de fazer esta compilação sobre a obra de meu pai, já que todo mundo estava ganhando projetos especiais", conta a cantora, com resistência a falar sobre o assunto. "O projeto seria da família Caymmi. Mas a gravadora passou na frente e decidiu tudo sozinha. Fiquei muito chateada com isso." Nana diz ainda que foi convidada para gravar duas músicas que fariam parte do sétimo disco. "Me ligaram convidando para que eu fizesse estas gravações mas recusei. Depois do que fizeram não quis mais saber de nada." Segundo a artista, o que mais a indignou foi a forma como o projeto acabou sendo finalizado. Para encerrar o assunto, Nana dispara contra a própria família e deixa no ar um clima de suspense. "Os detalhes da caixa vazaram dentro da própria família. Alguém passou para a gravadora e deu no que deu." Descanso na rede - O presidente da EMI, Aloysio de Oliveira, foi procurado ontem pela reportagem do Jornal da Tarde para comentar o assunto mas não foi encontrado. Bem distante de qualquer desentendimento, Dorival Caymmi descansa na rede de sua casa, no interior de Minas Gerais, enquanto sua gravadora corre para lançar a caixa no prazo estipulado. Aos 87 anos, o compositor ainda é guru de artistas pesos-pesados como Gilberto Gil e Caetano Veloso. Sua obra, na maioria das vezes entoada por sua própria voz, não pode ser dissociada de pitorescas histórias vividas desde os anos 30. Caymmi chegou ao Rio de Janeiro em 1938 com o sonho de ser jornalista e ilustrador. Logo foi morar em uma pensão na Rua São José e, apresentado por um parente ao desenhista Pereira, conseguiu publicar alguns desenhos na revista O Cruzeiro. O próprio Pereira, percebendo que aquele não era bem o ramo do amigo, incentivou Caymmi para que se tornasse cantor, já que o momento era de glória para os artistas de rádio. São desta época as primeiras canções praieiras que formariam, em 1957, o antológico disco O Mar, é Doce Morrer no Mar. Carmen Miranda, outro nome resgatado pela série da EMI (ela aparecerá cantando músicas do autor no disco em que outros cantores interpretam Caymmi), teve grande importância para o artista no início dos anos 40. Depois de aparecer interpretando O que É que a Baiana Tem? no filme Banana da Terra, a vida do compositor baiano não seria mais a mesma. Sempre que o sucesso lhe bateu à porta Caymmi não atendeu. Como Mário de Andrade, o baiano sempre acreditou que a preguiça é fundamental para a sobrevivência humana. "De um bocejo nasce um sonho e de um sonho se tira o real", filosofou. Nos anos 70, sua filosofia seria seguida à risca. Depois de insistir com os executivos da EMI de que não adiantaria assinar contrato para lançar mais de um disco, acabou cedendo às insistências dos produtores. "Isso não vai dar certo", falou na época. Não deu mesmo. Caymmi gravou um trabalho e, sentindo as pressões da obrigação de fazer outros dois discos, ainda que com prazos largos, rompeu o contrato. As primeiras obras compiladas pela EMI são do tempo dos discos de 10 polegadas. Canções Praieiras, de 55, foi uma estréia promissora em long playing (na época já haviam saído inúmeros discos de 78 rotações). São dele peças primorosas como O Mar e Saudades de Itapoã. O pouco de sua carreira que não foi lançado pela EMI-Odeon não aparecerá no projeto. Discos menores, na maioria das vezes registrando ocasiões comemorativas, acabaram nas mãos de gravadoras como Universal, Polygram e Funarte. A EMI só agradece a preguiça que fez com que Dorival Caymmi gravasse tanto tempo para uma mesma companhia.

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