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Cauby Peixoto dá voz ao samba

Apesar de apaixonado pelo sambas e sentindo-se na obrigação de não deixar o gênero morrer, Cauby garante que não vai deixar o repertório romântico de lado. "Não tem de ficar de lado, são clássicos", afirma. Conceição é a marca de Cauby Peixoto e Cauby Peixoto é Conceição."

Por Agencia Estado
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O medo de gravar samba passou. Foi preciso chegar perto dos 50 anos de carreira, a serem comemorados em 2001, para tomar coragem. Em novembro, chega às lojas o novo e "corajoso" CD de Cauby Peixoto, Meu Coração É um Pandeiro, que sai pela gravadora Som Livre. Cauby garante, no entanto, que não vai deixar o repertório romântico de lado. "Não tem de ficar de lado, são clássicos", afirma. "Conceição é a marca de Cauby Peixoto e Cauby Peixoto é Conceição." "Eu criei um complexo muito grande do samba por causa do meu primo, Ciro Monteiro. Eu não tinha coragem de cantar", confessa Cauby em entrevista à Agência Estado, antes de um breve ensaio para sua apresentação no bar Scandal, na quarta-feira passada. "Ciro mandava eu cantar samba, tentava me ensinar, mas eu tinha vergonha de cantar samba perto dele. Sendo assim, passei a cantar outros gêneros, como música romântica, deixando os sambas maravilhosos de lado." Cauby acredita que o medo e a vergonha que sentiu durante estes 50 anos representam, na verdade, o respeito pelo cantor e compositor Ciro Monteiro (morto em 1973), que eternizou a marcação do ritmo do samba com uma caixinha de fósforos e clássicos como Se acaso Você Chegasse, de Lupicínio Rodrigues e Herivelto Martins. "Eu pensei mesmo que não pudesse fazer isso", conta. Ingenuidade? "Não, burrice. Eu fui crooner e você sabe que crooner canta tudo." O cantor sente-se praticamente realizado, pois "está muito feliz de ter cantado bem e direito". No entanto, a grande alegria deve-se ao fato da participação de grandes celebridades do gênero no CD. "Eu acho que elas não viriam cantar comigo se eu não estivesse cantando esses sambas", afirma. Cauby faz dueto com Chico Buarque, Dona Ivone Lara, Luiz Carlos da Vila, Martinho da Vila, Nelson Sargento, Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho. "A escolha do repertório foi fundamental para ter essas pessoas presentes. O samba tem um valor mais qualitativo do que as música românticas", diz. Com esse disco, Cauby acredita ter dado um novo passo na carreira, que ora é vista com seriedade ora se restringe à caricatura de um cantor de samba de fossa. "Com certeza, é possível definir essas canções que eu interpreto no disco como os verdadeiros sambas compostos neste País, de qualidade única. As pessoas mais exigentes gostam, principalmente os críticos." O passo à frente de Cauby reflete-se também na voz. "O samba não é pra qualquer cantor cantar. É um pouco difícil não só pela extensão vocal", analisa. "O que acontece comigo é que tenho na voz essa coisa crioula do samba, sem precisar forçar, e me orgulho muito disso. O difícil não é cantar samba fino, samba de bossa nova, mas samba de raça, feito por negro." Além do reconhecimento dos intelectuais, Cauby faz uma observação sobre um outro público que pode se interessar pelo estilo presente no CD. Diz ele: "Essa música atinge o povo, é popular. E é difícil ver hoje coisa de qualidade nesse gênero. São poesias de grande beleza que podem estourar popularmente." Cauby canta Quem te viu, Quem te Vê ao lado do autor, Chico Buarque. "Me disse Chico que ele mandava o pai comprar os meus discos, que ele gostava de me imitar", conta. kitsh - Quando se lançou cantor, no início dos anos 50, Cauby era diferente para a época. "Quebrei uma série de preconceitos, inclusive o visual e acho que isso chamou a atenção dessa garotada, desses compositores que já eram de vanguarda." Segundo ele, a sua geração era muito careta e se assustava até com as cores do seu figurino. Além do vozeirão, ele também é venerado hoje por causa da vestimenta kitsh. Para cantar esse tipo de samba, como reafirma Cauby, tem de saber cantar. Então, nada melhor do que Zeca Pagodinho. "Ele é excelente intérprete e está estourado nas paradas", diz. Com Zeca, Cauby canta Festa da Vinda, de Cartola e Nuno Veloso. "Zeca ficou emocionado, disse que eu sou uma entidade da MPB e tomou dois drinques pra cantar." Martinho da Vila, que Cauby considera rei do samba, participa em Yá Yá do Cais Dourado, dele e de Rodolfo. O cantor conta que todos convidados atenderam ao seu pedido com muito respeito. "Sabe, eu mexo com as recordações de muita gente. Tenho a impressão de que eu e Ângela Maria somos a dupla mais brasileira, tanto pelo tempo de carreira quanto pelas nossas história. Somos mitos e ser mito é ser grande demais, é ser querido por pessoas de todos os níveis", define. Mangueira e Portela - O fato é que mitos do samba cantam no CD: Dona Ivone dá uma canja em Acreditar, parceria dela com Délcio Carvalho; Nelson Sargento interpreta o seu clássico Samba Agoniza, mas não Morre; e o mais jovem, mas também brilhante, Paulinho da Viola, faz duo com Cauby na música Onde a Dor não Tem Razão, dele e de Elton Medeiros. O disco tem ainda o coro da velha-guarda da Mangueira e da Portela e músicos da nata da MPB. O "mito" Cauby afirma não ter talento para escolher seu repertório, um item fundamental para uma longa carreira. "A dona desse projeto de samba é a minha amiga e também escritora Dalva Lazaroni, ela me disse pra cantar samba e eu obedeci", conta. Por quê? "Porque eu não tenho esse talento. Eu não sei escolher música pra mim. Eu canto as músicas que a gravadora escolhe, que os músicos escolhem, que o produtor escolhe e que a Dalva escolhe." Segundo ele, esse risco se justifica pelo fato de precisar vender discos. Sou perfeccionista, preciso ensaiar muitas vezes, como Elis Regina." Há outros compositores que "o levam à loucura", como Francis Hime, Djavan e Ivan Lins. Em Meu Coração É um Pandeiro uma figura fundamental é a de João de Aquino, primo do Baden Powell. Ele assina pela produção e criação dos arranjos, além de tocar em algumas faixas. O bom gosto do repertório pode também ser atribuído a ele. "Ele é um arranjador moderníssimo, conhece tudo, tem uma discoteca enorme e colocou o melhor dele nesse trabalho", informa Cauby. "Me ensinou nuances que eu desconhecia, coisas fantásticas na divisão do samba, de ficar bobo. Ele fez com que eu me entrosasse com os arranjos, cantando de um jeito mais contido, respeitando o samba." O novo CD foi feito antes da operação de seis pontes cardíacas (duas mamarias, duas de safena e duas de artéria radial). Ele passou mal numa semana, fez os exames e terminou o disco. Na semana seguinte operou. Agora, "está tudo ótimo". De coração novo. Agradece aos médicos e ao hospital pelo carinho. "Eles cantaram comigo no hospital", conta. "Foi sucesso."

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