Catedral invisível de Bach nas mãos de especialistas

Academia Bach de Stuttgart interpreta a ‘Missa’ em Si Menor na Sala São Paulo, na quarta; hoje tem ‘Messias’ de Händel

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Por João Luiz Sampaio
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Hans-Cristoph Rademann passou sua infância em Schwarzenberg, na Saxônia. Não é mais que uma pequena vila encravada nas montanhas, próxima à fronteira checa – onde vivem cerca de 15 mil pessoas. Mas, para um menino amante da música, significava estar perto de Dresden, Leipzig e outras cidades em que autores como Bach forjaram a identidade musical alemã – e do ocidente. “É uma lembrança de infância cantar a Missa em Si Menor do Bach e ter o primeiro contato com essa cultura tão rica”, recorda. E, quatro décadas depois, chega a São Paulo justamente para reger a peça, à frente de uma das principais instituições musicais da Alemanha, a Academia Bach de Stuttgart, especializada na obra do compositor.

Rademann e o grupo farão dois concertos na Sala São Paulo, abrindo a temporada da Sociedade de Cultura Artística. Hoje, interpretam o Messias de Händel e, na quarta, a Missa de Bach. São duas obras monumentais, símbolos do repertório coral. “Trazê-las na turnê serve a alguns propósitos”, diz ele ao Estado. “São peças representativas ao mesmo tempo da tradição germânica e do nosso trabalho artístico.”

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Participam das apresentações o Gächinger Kantorei e o Bach-Collegium, coro e orquestra da Academia Bach de Stuttgart, que foi criada em 1981 pelo maestro Helmuth Rilling. A ideia era estabelecer um fórum constante de concertos e estudos dedicados à obra do compositor. E, com o tempo, a instituição tornou-se referência neste repertório. Em 2013, Rademann assumiu a direção pedagógica da academia e passou a se apresentar com frequência à frente dos grupos formados por seus alunos.

“Nos últimos dois anos temos voltado a esse repertório já tão gravado e interpretado, em busca de novas experiências”, ele diz, sobre quais têm sido seus objetivos à frente da academia. “Entendo meu trabalho como o de criar quadros, imagens sonoras por meio das quais se dá a conexão da música com o mundo, articulando pequenas e grandes molduras. E é necessário sempre tornar esses quadros mais claros, trabalhando as cores dos sons, o tempo.”

Isso é ainda mais fundamental quando se está à frente de um grupo que nasceu e se desenvolveu sob a égide de um maestro, Rilling, que não apenas é grande especialista neste repertório como ajudou a moldar a sonoridade dos grupos à sua imagem e semelhança. “O importante de se ter em mente é que eu tenho 50 anos e Rilling, 81, o que significa que somos de épocas diferentes e, assim, trabalharemos de forma distinta.” Talvez não por acaso, para marcar sua chegada à academia, Rademann acaba de gravar uma nova versão da Missa em Si Menor, em Freiburg.

Bach trabalhou na peça, que Otto Maria Carpeaux definiu como “uma catedral invisível, a mais alta jamais construída”, ao longo de quase duas décadas. Na verdade, o Kyrie e o Gloria foram escritos por conta da morte do eleitor da Saxônia, em 1733, “e Bach pretendia, com elas, conquistar o cargo de kappelmeister”, diz Rademann. Nas décadas seguintes, outros trechos foram sendo compostos. E, em 1748, com a criação do Credo, Bach começava a delimitar a arquitetura da obra. Por reunir trechos escritos em períodos da vida do compositor, a Missa é, de certa forma, compreendida como a síntese da trajetória de Bach – e daí vem um pouco da mística que a cerca.

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“Um dos aspectos mais fascinantes da Missa, para mim, é a questão da arquitetura. Olhando cada um dos trechos, a diferença que há entre eles no que diz respeito ao estilo, é preciso reconhecer que ela não é nem de longe uma obra homogênea. Mas há um arco tão claro e definido, do início ao fim, é espantoso”, diz Rademann. E a que ele atribui isso? “Sinceramente? Não sei. Só ao gênio de um artista como Bach.”

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