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Cássia Eller encarnou a irreverência do rock nacional

Por Agencia Estado
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A menina que queria ser cantora de ópera, virou pop star mal comportada, mãe extremosa e morreu ontem, no sábado, em circunstâncias não bem esclarecidas. Cassia Eller viveu 39 anos, teve uma carreira meteórica de 11 anos e sete discos. Misturava um repertório roqueiro com clássicos da música popular brasileira e hits internacionais. O público a adorou desde o início e lotou seus shows, comprou todos os seus discos e se deliciou com sua irreverências, suas frases de efeito e suas atitudes escandalosas e desbocadas no palco. Cassia Eller nasceu em dezembro de 1962, no Rio de Janeiro, filha de um militar, o que a fez morar em várias cidades do Brasil durante a infância. Da mãe, herdou o gosto pela música, o mais variado possível, e a convivência com os profissionais. Aos 14 anos, já tocava violão e cantava, mas não era de muito estudo, conforme ela mesma disse em algumas entrevistas. "Não tenho nem formação musical acadêmica nem nada acadêmico. Nem p... nenhuma. Estudei até o segundo grau, mas não terminei. Eu era normalista lá em Brasília. Repeti o segundo ano umas quatro vezes, mas já tava cantando. Passava a noite inteira acordada e aí não tinha jeito de estudar de manhã e de tarde", contou ela certa ocasião. Aos 18 anos virou profissional. Cantava em bares de Brasília, nos anos 80, quando o rock brasileiro começava a fazer sucesso em todo o Brasil, a partir da capital federal. Não havia chegado ainda sua hora. Nessa época, educava sua voz em cima do trio elétrico Massa Real, contrariando a primeira expectativa, de ser cantora de ópera. "Mas a idéia só durou uns seis meses. Não dava certo meu estilo de vida com o jeito dos cantores clássicos. Tem que ter muita disciplina. E eu até tenho, mas é do meu jeito", lembrava ela. "Eu tenho influência de rock, como também tenho de música brasileira. Mas isso não me preocupa não. Por mais que eu seja doidona, escrachada, debochada, numa atitude mais rock´n´roll, eu tenho aquela coisa de MPB, sim. São dois lados bem fortes em mim. Não fico pensando nisso, não." A primeira gravação veio em 1989, uma fita demo feita por influência de um tio. Agradou em cheio à Polygram, que lançaria seu primeiro CD em 1990, tendo só seu nome como título e um hit instantâneo: Por Enquanto, de Renato Russo, não por acaso roqueiro de Brasília, de vida declaradamente desvairada e talento reconhecido em todas as searas. Vendeu de cara 30 mil cópias e foi reconhecida como estrela. Nos shows, que já começaram a lotar, surpreendia com um comportamento agressivo e muito pouco convencional. O público adorava - tanto quem ia atrás da estrela mal comportada, devido às atitudes, quanto quem buscava música, porque ela a dava, e da melhor qualidade. A partir de então, não teve dificuldade de reunir repertório. Marisa Monte, os titãs Nando Reis e Arnaldo Antunes, Caetano Veloso e Gilberto Gil e compositores novos, doidos para emplacar um hit, lhe davam músicas inéditas, que ela juntava com sucessos antigos. De compositores considerados malditos como carioca Luiz Melodia e o paulista Itamar Assumpção, todos freqüentaram as fichas técnicas de seus CDs. No terceiro, que também levava seu nome, gravou só com violão o clássico Na Cadência do Samba, de Ataulfo Alves e Paulo Gesta, unindo roqueiros e sambistas. Na vida pessoal, Cássia Eller misturava uma timidez que a emudecia em público com um dia-a-dia inconvencional. Há 13 anos vivia uma relação homossexual assumida, com Eugênia Vieira Martins, mas há nove anos supreendeu todo mundo ao anunciar-se grávida. O pai era o baixista Otávio Fialho, que morreria em um acidente de carro, pouco depois do nascimento de Francisco, o "Chicão", hoje com oito anos. Era mãe extremada, vivia falando do menino e até atribuía a ele seu apuro como cantora. "Ele reclamava que eu gritava muito", comentou. "Chicão está cansado de saber que eu não sou perfeita. Ele sabe que sou bocó como todo ser humano." Foram, ao todo, sete discos, em 11 anos, três deles em 1997, ano em que juntou sua voz poderosa ao lirismo rasgante de Cazuza. Os dois mal chegaram a se conhecer, mas Cássia Eller era fã confessa. Mas o disco Veneno Antimonotonia não fez o sucesso esperado, a liga não funcionou tão bem, como aconteceu, por exemplo, com o Titã Nando Reis, que compôs alguns dos sucesso dela, inclusive o rock dançante ECT, feito em parceria com Carlinhos Brown e Marisa Monte. No início do ano, garantiu as primeiras páginas de jornais e revistas, ao mostrar os seios no show que abriu o Rock in Rio 3, no dia 13 de janeiro. Foi só uma brincadeira, garantiu ela. Uma das muitas que fez ao longo de sua carreira. Alternou um visual punk careca com poses sensuais e bem tratadas de revistas masculinas. Nessas ocasiões, brincava com sua opção sexual, assumida com tranqüilidade, mas se recusava a ser porta-voz de qualquer grupo. Embora sempre prestigiada pela gravadora, pela crítica e por um público fiel que lhe garantiu vendagens de, no mínimo, 100 mil cópias por CD, o sucesso inicial do primeiro disco só se repetiria este ano, quando ela lançou o Acústico MTV, gravado em março. Foi um lançamento de estrela internacional, com direito a intensa campanha na mídia, DVD de luxo e CD que alcançou, de cara, 250 mil cópias vendidas. Nele, fazia um balanço da carreira, acompanhada de cordas e guitarras, e reviveu o sucesso inicial, Por Enquanto, cujos versos se tornam proféticos com sua morte repentina. Afinal, quem primeiro garantiu que "sempre, sempre acaba" foi ela. No entanto, nada indicava sua morte prematura no antepenúltimo dia de 2001. O ano em que ela começou balançando o Rock in Rio 3 foi de muito trabalho e mais de cem shows, conforme contava ontem seu empresário Ronaldo Vilas. A partir de maio, quando lançou seu disco acústico, fez cerca de 15 apresentações por mês, uma agenda rara para quem só viajava com uma grande produção, de mais de 20 pessoas. Só na primeira semana de dezembro, conforme informa seu site oficial (www.cassiaeller.com.br), foram cinco shows, entre São Paulo, interior da Bahia e Permanbuco. Amanhã, dia 31, ela iria cantar no réveillon da Barra da Tijuca, em festa promovida pela Prefeitura, ao lado do grupo AffroRio e da Escola de Samba Grande Rio, de Duque de Caxias. A agenda continuava lotada, com espetáculos previstos em Recife, Fortaleza e Santos, no litoral paulista. Uma vida do jeitinho que Cássia Eller tinha escolhido, como ela gostava de dizer: "Eu queria era fazer show, só isso. Eu arrumava a banda e tal, mas o máximo que eu pensava assim, no futuro, era fazer aquele show. Eu queria gravar disco, mas não pensava em carreira, seria uma conseqüência daquilo que eu estava fazendo." Veja galeria de fotos de Cássia Eller

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