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Caso de Sabotage faz lembrar Pixote

A interminável tragédia social brasileira repete uma história de sucesso e morte. Tal como o ator mirim Fernando Ramos da Silva, o Pixote, Sabotage também esteve sob os holofotes, mas teve o mesmo e triste fim

Por Agencia Estado
Atualização:

A arte imita a vida ou é o contrário? Essa pergunta meio banal parece inevitável quando, perplexos, ficamos sabendo da morte do jovem Sabotage, rapper e ator de um dos mais impactantes filmes brasileiros recentes, O Invasor, de Beto Brant. Sabotage contracena com Paulo Miklos em uma das melhores cenas do longa premiado nos festivais de Brasília, Recife e Sundance, quando os dois "invadem" o escritório de engenharia e extorquem dinheiro dos mandantes de um crime para que o músico grave seu CD. Sabotage deu consultoria ao diretor e ao roteirista do filme. Corrigiu diálogos e ensinou como se dizem certas coisas com ginga da periferia. O trabalho, tanto de ator como de "consultor" de dialeto, se revelou tão eficaz que Sabotage foi convidado por Hector Babenco para outro filme sobre a barra-pesada, Carandiru, ainda inédito, no qual interpreta o detento chamado Fuinha. Coincidência cruel. Uma história parecida com a de Sabotage começa justamente com um filme de Hector Babenco, Pixote ? a Lei do Mais Fraco, de 1980. Um dos atores, Fernando Ramos da Silva, era de fato um garoto de periferia. Tornou-se famoso com o sucesso da obra, em especial por uma cena, uma Pietà trágica em que contracena com Marília Pêra. Fernando era ator nato, ator "natural", como se diz da gente sem meios, que aprende sozinha, sem escola, quase por milagre. Antes de trabalhar com Babenco, tinha atuado na peça O Último Carro, de João das Neves. Mas foi o filme que o tornou nacionalmente conhecido. Depois dele fez uma ponta em Eles não Usam Black-Tie, de Leon Hirszman, e na novela O Amor É Nosso, da Globo. Analfabeto, tinha dificuldade para decorar as falas dos personagens. Nunca foi para a frente. Ficou preso ao papel que o tornou famoso, mas, a fama, já se sabe, é moeda inconstante e não dura para sempre. Sem trabalho no meio artístico, Fernando voltou para o bairro humilde em Diadema, e conseguia dinheiro com pequenos furtos. Num deles, foi baleado e morto. Tinha 19 anos. Sua história real ? a do menor carente que representa a si mesmo na tela, depois volta a ser o que sempre foi e termina morto pela polícia ? virou filme, Quem Matou Pixote?, dirigido por José Joffily em 1996. Agora é a vez de Sabotage. Já que não pôde desenvolver suas potencialidades, e teve a vida cortada de forma estúpida, transformou-se em excelente exemplo da interminável tragédia social brasileira.

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