No festival Primavera Sound, em Barcelona, de 2015, uma multidão maior do que o esperado começou a se reunir em frente ao palco onde o Caribou, projeto criado e liderado pelo canadense Dan Snaith, se apresentaria. Era a terceira e última noite de festa. O The Strokes já havia encerrado as atividades do palco principal. Underworld, duo eletrônico dos anos 1980, e os californianos bons de guitarra do Thee Oh Sees também haviam terminado suas performances em palcos menores. Depois de Caribou, apenas alguns DJs manteriam a música martelando pelo Parque del Fórum, ao lado do oceano.
Quem esteve lá lembra da comunhão entre público e banda no palco, união quase hipnótica criada pelas batidas repetidas, em canções longas e nada muito aceleradas. O Caribou de Snaith, informalmente, encerrou um dos maiores festivais de música do mundo para os curiosos que, no ano anterior, havia lançado o ótimo disco Our Love, considerado um dos melhores de 2014.
E o Caribou, que parecia ser aquela banda que jamais iria estourar a própria bolha indie, o fez, graças ao sucesso extraordinário de Can’t Do Without You, uma música de amor como poucas feitas por Snaith. É essa canção que mudou o jogo do Caribou, aqueceu os corações com a sintética e constantemente fria música eletrônica. Com esse hit, Snaith encontrou o caminho para a quentura nesse gélido mundo da eletrônica.
Por isso, ao voltar a São Paulo sete anos depois – para um show no Cine Joia, na quarta-feira, 22, como parte do festival Popload Gig –, o Caribou não é mais o mesmo. Our Love é um álbum daqueles que transforma uma banda. Se a fama não é extrema – afinal, Snaith não é nenhuma Beyoncé –, Can’t Do Without You deveria estar tocando nas rádios populares. É uma música eletrônica mais tocante e legítima do que, por exemplo, Hear Me Now, o sucesso farofa do DJ brasileiro Alok, atualmente um hit mundial.
Caribou toma a frente, atualmente, de uma vertente inteligente da música eletrônica ao fugir das obviedades – não me façam comentar o assobio de Hear Me Know, por favor – e o faz no tempo certo, de acordo com o próprio dono da banda. “São mais de 15 anos fazendo música. Acho que certas coisas têm um tempo certo para acontecer”, conta Snaith ao telefone, de Londres, onde mora, com a esposa e a filha. “Acho que tudo para a gente mudou de forma gradual. Quando Our Love saiu, contudo, percebi uma mudança maior. O nosso público começou a ficar cada vez maior. Can’t Do Without You foi realmente importante para essa transição”, analisa.
A canção citada por Snaith foi a primeira a ser lançada do novo disco. A letra se resume a repetir o título da canção, que em uma tradução livre para português pode ser entendia como “não consigo seguir sem você”, enquanto a atmosfera da canção cresce e se apaga com o acréscimo de camadas de texturas e batidas. “Fiz essa música quando minha filha nasceu. Aquilo mexeu comigo.”
Snaith nunca foi um autor de canções pessoais. É algo que, graças ao caráter etéreo da música eletrônica, fica para segundo plano. Ao repetir, como um mantra, uma declaração de amor das mais sinceras, ele inverte o jogo. Martela o amor na cabeça daqueles que estão acostumados apenas com as marteladas dos beats e dos graves. “Falar de amor não me interessava até então porque me pareceria brega”, ele explica. “Comecei a pensar nas formas como nos relacionamos com as pessoas, na intensidade como isso acontece. Depois de tantos anos viajando e conhecendo as pessoas, percebi que o que mais gostaria de fazer é me conectar com elas.” E foi o que ele fez em Barcelona e fará, nesta semana, em São Paulo.
POPLOAD GIG COM CARIBOU Cine Joia. Praça Carlos Gomes, 82, Liberdade. Tel. 3101-1305. 4ª (23), 22h30. R$ 240. Abertura de Aldo the Band, às 21h.