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Cancioneiro traz partituras de 250 obras do maestro Tom Jobim

Por Agencia Estado
Atualização:

Tom Jobim escrevia toda e qualquer idéia musical que lhe viesse à cabeça. Sugestões melódicas, seqüências de acordes, esboços de letras ? tudo. Anotava em caderninhos de espiral e os guardava. E registrava, ainda, as alterações que iam sofrendo ? merecendo ? suas composições, ao longo dos anos, modificadas por reinterpretações, por uma nova idéia para determinada passagem. Queixava-se, o compositor, da falta de memória brasileira. ?Um cantor grava, erra uma nota, outro aprende naquele disco, repete o erro e acrescenta outro e assim por diante; um dia, o autor não reconhece mais sua composição?, dizia. Foi dizendo isso que saudou a edição do Songbook Tom Jobim, pela editora Lumiar, de Almir Chediak, há alguns anos. Agora, em co-edição da Jobim Music e da Casa da Palavra, começa a chegar às lojas a ambiciosa coleção Cancioneiro Jobim ? Obras Escolhidas, em seis volumes, que trazem as partituras para piano de 250 de suas músicas (só músicas que foram gravadas), quase a metade delas revisadas pelo próprio Tom. Paulo Jobim, seu filho, arquiteto e músico ? integrante de sua banda ? reviu as demais. O primeiro volume tem desenhos de Elizabeth Jobim, álbum de fotos (muitas delas da viúva Ana Lontra Jobim), prefácio (de fato, uma análise da escrita jobiniana) de Lorenzo Mammi, professor de Escola de Comunicações e Artes da USP, e texto do jornalista Sérgio Augusto (sempre em português e inglês), fac-símiles de cartas, bilhetes, de letras de músicas, de notação musical e as partituras para piano de 42 canções, escolhidas entre as mais representativas dos diversos estilos com os quais compositor trabalhou. O primeiro volume tem 450 páginas e preço que varia de R$ 116,00 (na Fnac) a R$ 145,00 (na Cultura). A que está na praça é uma edição especial, de luxo, de capa dura, em papel cuchê. Foram impressos 2 mil exemplares. Até março, sai uma edição mais simples (brochura, papel menos pesado) e mais barata. O site da Cultura informa que tem à venda, por R$ 45,00, o quarto volume da série. É uma brochura de 216 páginas, só de partituras, com músicas compostas entre 1971 e 1982. Os volumes 2, 3, 5 e 6 estarão à venda até o meio do ano. ?Escrever a obra para piano corretamente foi sempre uma grande preocupação de meu pai, pois ela forneceria muito mais informação sobre as músicas do que uma simples melodia com cifra?, explica Paulo Jobim, na apresentação do primeiro volume. ?Os arranjos, baseados nos discos, foram algumas vezes modificados por ele ou por mim para refletirem a última harmonia usada ou o último arranjo?, continua. Tom, conta o filho, sempre quis deixar sua obra escrita. A idéia do Cancioneiro surgiu a partir dos songbooks dos grandes autores americanos ? Gershwin, Porter, Hodgers anda Hart. Tom gostava especialmente do songbook de George Gershwin, que tinha design de Milton Glaser. Foi uma das fontes de inspiração para a apresentação do Cancioneiro. O próprio Tom começou a organizar a obra. Com sua morte, o filho deu continuidade ao projeto. Mas foi além da primeira proposta: ?A idéia original era incluir apenas as músicas principais, selecionadas a partir da obra gravada por ele?, escreve Paulo. Ampliado, o resultado final abrange toda a obra gravada (foram deixados de lado os esboços, anotações, trechos e material inédito e não identificado). Ampliado, ainda, porque este primeiro volume não constava na programação, como conta o filho de Tom: ?Surgiu a idéia de preparar um livro especial, com alguns destaques, acompanhados, como ele desejava, de desenhos da Beth, além de texto e material iconográfico do acervo.? Assim, foram escolhidas as primeiras músicas. ?Foi difícil chegar a esta lista, porque parecia sempre que muitos sucessos ficavam faltando?, explica Paulo Jobim. ?Ao mesmo tempo, era importante também mostrar algumas músicas menos executadas, mas que representassem uma fase rica na sua evolução musical e poética, como, por exemplo, sua primeira Valsa Sentimental, composta aos 20 anos, e canções como Modinha, Matita Perê, Boto e Saudade do Brasil?, continua. Os outros cinco volumes trazem as composições organizadas cronologicamente. Em seu texto de apresentação, Lorenzo Mammi estabelece uma curiosa analogia entre a música de Tom Jobim e um modo de ser brasileiro, no qual, acredita, as relações interpessoais são, ou foram, mais importantes do que as relações de trabalho. ?O viajante que se maravilha em ver tanta gente passeando à beira-mar no Rio de Janeiro não se surpreenderia em ver o mesmo número de pessoas, igualmente ociosas, numa avenida da Europa ou da América do Norte?, escreve. É que os cariocas andando na praia não se parecem com gente que trabalha ? não foram educados para ?carregar as marcas de suas profissões como elementos de identificação social?. Isso, na sua opinião, define, a partir dos anos 50, uma forma de ?humanismo doce, discreto, que absorve as novas tecnologias e os novos padrões de consumo sem se deixar moldar totalmente por eles? ? uma espécie de ?modernidade leve? que encontra perfeita tradução musical na obra jobiniana. É uma consideração que deixa de fazer sentido, naturalmente, depois dos anos 60. Num texto sobre sua vocação musical, Tom Jobim narra: ?Desde que me lembro de mim, gosto de música. Minhas primeiras lembranças me levam às cantigas de ninar que minha mãe cantava. Depois à calçada e às cantigas de roda. A família era grande e morávamos num casarão de dois andares ligados por aquela escada de madeira que range. Lembro-me dos meus tios tocando violão, vinham os choros e as valsas, os espanhóis, Bach e tudo o mais, até que me mandavam para a cama. Subia a escada, com medo do escuro, e ia me deitar. Na cama, eu me consolava ouvindo o som distante dos violões, doces, lá embaixo, na sala, e tudo se apagava. Minha avó tocando piano, tios tocando violão, mamãe cantando..." Embora se reafirme o tempo todo que o importante no livro são as partituras, os detalhes biográficos, belíssimas fotos, reproduções de letras de música ? Garota de Ipanema aparece em três versões, sendo que a primeira, escrita pelo próprio Tom, nem falava em garota alguma ? tornam o volume delicioso mesmo para quem não tenha a intenção de tocar Jobim ao piano. Tom era um frasista espetacular e muitas de suas frases aparecem em vinhetas ou legendas, como a que fala de Chega de Saudade: ?Esse título é engraçado porque a música tem algo de saudosista desde a introdução. Lembra aquelas introduções de conjuntos de violão e cavaquinho, tipo regional. Chega de Saudade tem a saudade. É uma saudade jogando fora a saudade.?

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