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Caixa conclui reedição da obra de Nara

O pacote Leão, com 14 CDs, completa a exemplar discografia da cantora. Reúne álbuns que tiveram impacto menor do que os 13 primeiros, da caixa Nara, mas são todos jóias de bom gosto e coerência estética

Por Agencia Estado
Atualização:

A gravadora Universal acaba de completar a reedição em CD da obra de Nara Leão. No ano passado, saiu a caixa Nara, com 13 discos de carreira, lançados entre 1964 (Nara) e 1975 (Meu Primeiro Amor), mais um CD trazendo raridades - faixas que faziam parte de discos de terceiros, outras que estavam em compactos de 33 rotações por minuto. Agora, chega ao público a caixa Leão, com outros 12 discos de carreira, lançados entre 1977 (Meus Amigos São um Barato) e 1989 (My Foolish Heart). Completam o novo pacote a trilha sonora da peça Liberdade, Liberdade (de 1966) e o volume Raridades 2, mais uma vez com fonogramas raros. O preço sugerido pela gravadora para a nova coleção fica entre R$ 200 e R$ 250. A obra só não está rigorosamente completa em CD por poucos números. A canção de domínio público Moreninha, se Eu te Pedisse, gravada no recolhimento feito, nos anos 60, por Marcus Pereira, não está nos volumes das Raridades. Em 1978, Nara lançou o elepê ... E Que Tudo mais Vá pro Inferno, todo dedicado (pioneiramente) à obra de Roberto e Erasmo Carlos. Mas Roberto não permitiu a transcrição completa do elepê para o formato digital. Religioso, renega a música - a palavra inferno, especificamente. O CD, então, mudou de nome - para Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos - e saiu com 11 faixas, sem a canção Quero Que Vá Tudo pro Inferno. Pequenas mutilações. Mas sempre mutilações. Outra música que ficou de fora foi Penas do Tiê, de Fagner, cantado por ele em dueto com Nara no disco Romance Popular, de 1981. É que Fagner é acusado de plágio nessa composição, processo que se arrasta há alguns anos. Liberação, só com a conclusão do processo. Liberdade, Liberdade era um grito poético-musical contra o regime militar, idealizado por Flávio Rangel, que também o dirigiu, e seleção de textos dele e de Millôr Fernandes. Estreou em 1965. As falas ficavam por conta de Paulo Autran, Millôr Fernandes e Oduvaldo Vianna Filho. O canto era com Nara. Era engraçado e contundente. O elepê saiu originalmente pela etiqueta Forma, independente, criada por Roberto Quartin, que escolheu os trechos que entrariam no disco, lançado em 1966. Voltando à cronologia dos lançamentos de Nara: em 1977, depois de três anos sem gravar (a não ser pela participação na trilha sonora de Os Saltimbancos, obra-prima da discografia dirigida às crianças), a cantora bolou o que talvez tenha sido o primeiro disco de duetos da música brasileira: convidou seus companheiros de geração e os que admirava e montou o precioso Meus Amigos São um Barato, em que canta com Gilberto Gil (Sarará Miolo), Caetano Veloso (Odara), Edu Lobo (Repente), Nelson Rufino (Nonô), Chico Buarque (João e Maria) e ainda João Donato, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Tom Jobim, Erasmo Carlos, Dominguinhos. Várias das canções foram feitas especialmente para o disco. Em 1978 veio o ...E Que Tudo mais Vá pro Inferno. Nara já havia gravado Roberto Carlos, mas nenhuma cantora ousara dedicar um disco inteiro à obra do astro pop, que a intelligentzia considerava cafona, alienado, inconseqüente e coisas piores. Embora Maria Bethânia tenha sempre alertado para a beleza de tantas das composições de Roberto, foi Nara que estabeleceu a possibilidade de que os bem pensantes gostassem dele. É irônico que o compositor tenha mutilado a reedição. Ou melhor, as reedições, porque o repertório ganhou versão em espanhol no ano seguinte, no disco Nara Canta en Castellano. Inferno fora, outra vez. O disco de 1980, Com Açúcar, com Afeto, tem só Chico Buarque, e o compositor canta com ela em 3 das 12 faixas: em Mambembe, em Vence na Vida Quem Diz Sim e no genial e quase esquecido Dueto. Romance Popular é o trabalho de 1981 e, nele, Nara voltou à disposição de apostar em autores mais novos - Fagner, Fausto Nilo, a trinca Clodo, Climério e Clésio, Chico Chaves, Geraldo Azevedo. Fagner dueta com a cantora em Traduzir-se (dele e de Ferreira Gullar) e Nara mostra, como raramente fez, o lado de compositora, em Cli-Clê-Clô, tripla parceria com Fagner e Fausto Nilo. O pianista e compositor Antônio Adolfo fez os arranjos de Nasci para Bailar, o disco de 1982, que emplacou como grande sucesso a faixa-título, de João Donato e Paulo André, trazia canções de Kleiton Ramil e versões assinadas por Chico Buarque para canções do novo trovador cubano Silvio Rodriguez (Supõe e Imagina Só). Meu Samba Encabulado, de 1983, é um disco de samba e choro tradicionais, com um único salto até a bossa nova em Eu e a Brisa, de Johnny Alf. No mais, o repertório tem Noca da Portela, Paulinho da Viola, Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho, Padeirinho, Nelson Sargento, João Pernambuco, Meira e mais. Já Abraços e Beijinhos e Carinhos sem Ter Fim, do ano seguinte, é todo de bossa nova, e Tom Jobim assina 7 das 12 faixas. Com produção do namorado de adolescência e amigo da vida inteira Roberto Menescal e arranjos de César Camargo Mariano, é trabalho minimalista, de piano, baixo, bateria, violão e voz, alguns teclados para dar cor. A atmosfera intimista repete-se no disco de 1985, Um Cantinho, Um Violão, que Nara divide com Roberto Menescal e traz versão em bossa - em inglês - do standard There Will Never Be Another You, de Harry Warren. O disco foi muito bem no mercado internacional, notadamente o japonês, e levou a musa da bossa nova a fazer mais um disco com clássicos do gênero, Nara Leão, gravado em Tóquio e dirigido pelo entusiasta da música brasileira Takashi Kitazawa. Dois anos depois, fez Meus Sonhos Dourados, com versões de standards americanos assinadas por ela ou por outras pessoas, formato repetido em seu último disco gravado, My Foolish Heart, de 1989, uma encomenda da subsidiária japonesa da Universal. Os discos da caixa Leão tiveram impacto menor do que os 13 primeiros, da caixa Nara, mas são, todos, jóias de bom gosto e coerência estética. E a obra fecha-se com a compilação de Raridades 2, que tem desde trilha de novela (A Donzela, de Naire e Paulinho Tapajós) até a música-senha da portuguesa Revolução dos Cravos, Grandola, Vila Morena, de José Afonso. Muitas horas de beleza e delicadeza.

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