PUBLICIDADE

Caetano lança "Noites do Norte" ao vivo

Por Agencia Estado
Atualização:

Caetano Veloso lançou oficialmente, na terça-feira, seu novo disco, Noites do Norte - Ao Vivo. Seguiu uma regra de mercado: o artista lança um disco, faz o show de lançamento, grava o show, lança o registro do show. "Há muita reação na imprensa contra o hábito de fazerem-se discos nascidos de show que nasceram de discos", escreveu o compositor no texto de apresentação do CD - outro hábito que vem mantendo, o de escrever os textos de apresentação, para a imprensa, dos próprios discos. Em geral, esses textos são encomendados a terceiros. "Mas eu não tinha idéia clara de lançar Noites do Norte ao vivo", disse, na tarde da mesma terça-feira, durante entrevista coletiva. Fez comparação com as duas obras imediatamente anteriores: quando gravou Fina Estampa, pensava no lançamento de um ao vivo, o mesmo tendo ocorrido com Livro. "No caso de Noites do Norte, o que me animou a lançar o ´ao vivo´ foi poder registrar o show inteiro, gravado ainda no início da temporada, e lançar o disco com todas as músicas, na ordem exata em que elas foram mostradas no palco. Nos outros, foi feita uma compilação do shows." Extensíssimo - O resultado é um álbum duplo. Tem 32 faixas. É, como o compositor diz, um CD "extensíssimo". Valoriza-o, na opinião de Caetano, a qualidade da banda que o acompanhou nos espetáculos - qualidade dos arranjos e da execução desses. "Não fiz correções na minha voz", conta. E admite que, eventualmente, ela, a voz, possa demonstrar "inabilidades". Poderia. Não demonstra. Noites do Norte - Ao Vivo foi gravado em um dia de julho, em São Paulo, e em dois dias do início de agosto, em Salvador. O cantor Lulu Santos faz duas participações especiais: em Cobra Coral, de Caetano, e em Como uma Onda, dele, Lulu. Dá ao repertório mais uma composição, O Último Romântico, cantada só por Caetano, que assina a direção geral do espetáculo e co-assina, com o ainda diretor musical Jaques Morelenbaum, a direção do CD. "Eu venho namorando há muito tempo as canções do Lulu" disse o compositor. "Já cantei algumas delas, em outras oportunidades; sempre tive vontade de gravar Assim Caminha a Humanidade, que quase entrou no repertório de Livro",diz. Bom, a canção acabou ficando de fora, também, do novo trabalho. "Outra que ficou de fora, infelizmente, foi a minha Eu Sou Neguinha, conta. "Mas é uma canção muito grande, e o show já estava muito grande, com duas outras músicas muito grandes que não podiam sair do repertório porque tinham tudo a ver com a idéia central de Noites do Norte, que são Haiti e Língua." Língua, lançada em 1984 (Caetano a gravou com participação de Elza Soares), já traz a questão da negritude pós-escravocrata brasileira e do samba-rap ("Nós canto-falamos como quem/ Inveja os negros"); o mesmo se dá com Haiti, que é, propriamente, um samba-rap e tem como centro da narrativa a questão do negro no Brasil ("E quando ouvir o silêncio sorridente/ De São Paulo diante da chacina/ 111 presos indefesos mas presos são/ Quase todos pretos, ou quase brancos quase/ Pretos de tão pobres"). Essas são, também, questões centrais de Noites do Norte. O nome do disco ao vivo, do show e do disco ao vivo saem de um texto de Joaquim Nabuco, um fascínio recente do compositor, sobre a escravidão, sobre a condição dos escravos após a abolição da escravatura: "A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil (...)", começa o texto. A reflexão sobre a negritude (Caetano escreveu, um dia: "Sou um mulato nato/ No sentido lato/ Mulato democrático/ Do litoral) orienta a primeira parte do repertório de Noites do Norte - Ao Vivo. Que não se esgota aí. Não apenas pelas provocações - unir, numa mesma faixa, a feminina e pós-feminista Dom de Iludir, com o funk Tapinha - como pelo resgate de obras fundamentais à formação do compositor (Caminhos Cruzados, de Tom Jobim e Newton Mendonça, Eu e a Brisa, de Johnny Alf), trabalhos de contemporâneos que admira (as citadas de Lulu Santos, Magrelinha, de Luís Melodia). Na verdade, ele não considera provocação ter gravado Tapinha. Provocação, diz, foi ter gravado Vicente Celestino, ter levado os Mutantes ou os Beach Boys e suas guitarras ao palco, na época do tropicalismo. "Depois, antes de mim, a Rita Lee, a Adriana Calcanhoto, a Fernanda Abreu já haviam cantado o Tapinha", lembra. As vaias que recebeu, atribui-as a dois motivos - o preconceito contra a música de fato popular - o funk carioca - e a incorreção política embutida no ato de afirmar que um "tapinha de amor não dói" - embora termine sua versão com um "dói", afirmativo, solene. Seja como for, o preconceito, diz ele, reflete a maneira injusta como a sociedade brasileira está organizada. "Não se pode deixar de gostar só porque é do povo, embora se deva estar alerta para não incorrer no erro de gostar só porque o povo gosta", diz. E, completa, se o artista detecta alguma coisa na música verdadeiramente popular, tem a obrigação de revelar isso ao público que - por preconceito - nem ouviria. O Tapinha, para ele, tem um jeito engraçado, alegre, de lidar com uma questão que já está equacionada. Comentou, por fim, o fato de que fotos suas, caricaturado como Osama bin Laden, circularam, pela Internet. "Fiquei preocupado. Alguém poderia acreditar na história. E ele de fato, parece comigo, com gente da minha família. Não concordo em nada com ele, o que fez, mas é um homem bonito."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.