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Bregovic empolga platéia gaúcha

Por Agencia Estado
Atualização:

Foram oito minutos ininterruptos de aplausos, que ficaram cada vez mais ritmados, exigindo a volta de Goran Bregovic ao palco do Teatro do Sesi, na capital gaúcha. Quando a platéia começava a desistir, ele voltou, com seu extraordinário percussionista. Apresentaram um número. Depois, mais um, já com a participação do pessoal dos metais. Depois vieram o coro feminino, o masculino, a turma das cordas. No fim, estavam de novo no palco os 41 integrantes da orquestra do artista da ex-Iugoslávia que se apresentou no domingo, no Porto Alegre em Cena. Foi a única apresentação de Bregovic no Brasil. Na Argentina, foram duas. No País, ele só veio para participar do Porto Alegre em Cena, um evento que os brasileiros ainda não descobriram. Muita gente prestigia os que ocorrem no eixo Rio-São Paulo. Paulistas excursionam ao Rio para o Festival BR, que começa no dia 27. Cariocas vão a São Paulo para prestigiar a Mostra Internacional de Cinema, em outubro. E brasileiros de todas as latitudes correm a Londrina para o Festival de Teatro, em julho. O Brasil precisa descobrir o Porto Alegre em Cena. Promovido pela Secretaria de Cultura do Município, que fornece a infra-estrutura e contribui com R$ 600 mil em dinheiro o Porto Alegre em Cena tem o patrocínio da Nokia, da Petrobras e da Brasil Telecom, que completam (a primeira com a parte maior) o orçamento de R$ 1,8 milhão. Não é muito, considerando-se que o festival mobiliza uma equipe de cem pessoas para atender a mais de 600 convidados. São 140 apresentações, a maioria (cem) a preços populares, R$ 5, tanto faz que seja o concerto de Bregovic ou um grupo de Porto Alegre mesmo. E 40 espetáculos são totalmente gratuitos, para assegurar a participação popular. A secretária de Cultura, Margarete Moraes, explica que o Porto Alegre em Cena surgiu como uma utopia do pessoal das artes cênicas da cidade, que cobrava da prefeitura do PT a realização de um evento desse porte. E ela explica mais o conceito: "Queremos estimular a integridade artística, já que não gosto de usar a palavra qualidade, e a pluralidade de linguagens." Das 67 montagens de teatro, dança, música e bonecos, 17 vêm do exterior, muitas dos países do Mercosul, como a encenação de La Muerte de Marguerite Duras, com direção de Daniel Veronese, da Argentina, ou Jubileo, de Alberto Rivero, do Uruguai. Mas há espetáculos da Lituânia (o Hamlet, de Eimuntas Nekrosius), da Alemanha (Zweiland, com a Cia. Sasha Waltz), da Suécia (o Lago dos Cisnes, com o Culberg Ballet) e de Portugal (Leonardo, com a Cia. do Chapitô). Um conselho deliberativo, integrado, entre outros, pelo diretor Júlio Conte e pelo dramaturgo Ivo Bender, estabeleceu que, a partir deste ano - o oitavo, desde que foi criado -, o Porto Alegre em Cena vai homenagear um artista gaúcho a cada edição. O primeiro escolhido foi o ator Leverdógil de Freitas, uma figura lendária do teatro e do cinema do Rio Grande. O Porto Alegre em Cena mostra amanhã (19) o Drácula de Philip Glass, que os paulistas já viram, mas, assim como no ano passado uma das jóias do evento foi uma encenação de Peter Brook (Le Costume) que não excursionou pelo País, este ano foi a apresentação da orquestra de Bregovic. Há dois anos ele esteve em São Paulo participando do Festival Internacional de Artes Cênicas. O tema do evento promovido pela empresária Ruth Escobar era, naquele ano, a diáspora cigana. Nada mais perfeito do que a música de Goran Bregovic para ilustrar o tema. Autor das trilhas de Vida Cigana e Underground - Mentiras de Guerra, de Emir Kusturica, e de A Rainha Margot, de Patrice Chéreau, ele apresentou em Porto Alegre seus concertos para casamentos e funerais. Muita gente não agüentou e se levantou para dançar. Nem a música de Bregovic para funerais consegue ser fúnebre. Ele sempre põe no palco e na tela a bagunça cigana, com a qual se identifica. Filho de mãe sérvia e pai croata, casado, Bregovic se define como ortodoxo, mas isso não o impediu de se casar com uma bósnia de origem muçulmana. Sua religião não virou compromisso ideológico. Sua música também mistura tudo para provar uma tese: ela, a música, rejeita as explicações simplistas das religiões e da política. Momento significativo do espetáculo foi quando Bregovic apresentou seus músicos. Quem vai a shows está acostumado a isso. Só que, em vez de nomes, ele citou etnias: os violinistas e celistas da sua orquestra vêm da Polônia, o coro feminino vem de Sofia, na Bulgária, o masculino, de Belgrado, os músicos dos metais também são da ex-Iugoslávia. Uma orquestra de 41 integrantes e todos de diferentes etnias, compondo um multicolorido painel cultural. Trompetes militares - Quando conheceu Kusturica, Bregovic gostava de rock e tinha formado um grupo. Estudava filosofia e sociologia, mas desistiu para excursionar com a banda Le Mouton Blanc. A passagem pelo pop incluiu um encontro com o cantor Iggy Pop, que participou da trilha de Bregovic para o filme americano de Kusturica - Arizona Dream (com Johnny Depp). Você talvez se lembre: Iggy Pop canta acompanhado por uma orquestra de ciganos que tocam trompetes militares. À reportagem durante sua passagem por São Paulo, Bregovic explicou que os sérvios, em suas guerras nacionalistas, precisavam de música marcial e compraram trompetes para os ciganos. A mistura de sopros, cordas e corais não é a menor dos fascínios dos Concertos para Casamentos e Funerais de Bregovic. O que o atrai na música cigana é o ecletismo. Os ciganos ele diz, roubaram a melodia árabe e a harmonia espanhola sem ter consciência dessa apropriação. O próprio Bregovic também é eclético e gosta de explorar todas as possibilidades. Busca um tom musical humano, uma música para celebrar a vida, e não a perfeição que lhe parece artificial de uma sinfônica. Ele começou o concerto em Porto Alegre com uma música da trilha de A Rainha Margot. Para aquele filme de Chéreau, Bregovic recorreu a temas eruditos. Mas a erudição logo cedeu espaço aos temas populares recolhidos dos ciganos. E a bagunça cigana, que tanto inspira o compositor, contagiou o público do Teatro do Sesi. Bregovic cumpriu a promessa feita ao pisar no palco. Em inglês - lamentou não falar espanhol - disse que ia tocar algumas músicas de filmes, mas também composições novas. Quem viu, ficou convencido de ter assistido a um momento mágico.

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