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Borromeo fala do salto que a interpretação pode dar com a tecnologia

Quarteto de cordas norte-americano faz duas apresentações no Brasil em setembro

Por João Marcos Coelho
Atualização:

O quarteto de cordas é uma das matrizes históricas da música camerística e normalmente considerado um dos gêneros mais áridos da música de concerto. A fórmula dos dois violinos, viola e violoncelo - que Goethe chamou de “conversa a quatro” - emergiu na segunda metade do século 18 como laboratório preferencial de experimentação. A partir da tríade clássica Haydn-Mozart-Beethoven, responsável por dezenas de obras-primas, deixou de ser assunto de amadores. Virou terreno de profissionais.

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Pois é este universo abstrato por excelência que o quarteto norte-americano Borromeo revitaliza transformando seus concertos em acontecimentos tanto sonoros quanto visuais. Eles fazem duas apresentações gratuitas imperdíveis em setembro no Brasil - dia 7, na Basílica das Neves, em João Pessoa, dia 8 na Basílica do Carmo, em Recife, dentro do Festival MIMO de música instrumental que se realizará entre 3 e 9 de setembro em Olinda, Recife, João Pessoa e Ouro Preto. O público poderá conferir se tantas novidades - como o uso de laptops para leitura das partituras, com passagem de páginas feitas em pedais, projeção de manuscritos originais e animações criadas por Nick Kitchen num telão - contribuem ou dispersam a audição. O repertório é variadíssimo. Começa com três animações de Nick emoldurando arranjo da famosa fuga para órgão de Bach BWV 552, o Vivace do quarteto opus 135 de Beethoven e Santa Claus is Comin to Town, música de Coots e Gillespie arranjada por Nick a partir da versão do pianista de jazz Bill Evans. Em seguida, a estreia sul-americana do quarteto Love Notes to Napa, de Daniel Brewbaker, compositor norte-americano de 61 anos, com projeção de partituras; e o terceiro dos quartetos Razumovsky, opus 59, de Beethoven, com projeção do manuscrito.

Fundado em 1989 no New England Conservatory de Boston, o Borromeo é desde então quarteto residente desta que é uma das mais prestigiosas escolas de música dos Estados Unidos. Tem no primeiro violino Nick Kitchen seu porta-voz. Foi ele quem se encantou com a possibilidade de usar a informática, abandonando o uso de partituras de papel, em concertos. Seus três parceiros no Borromeo são asiáticos: Kristopher Tong (segundo violino), Mai Motobuchi (viola) e Yeesun Kim (violoncelo). Abaixo, trechos da entrevista de Nick Kitchen ao Estado

Como nasceu a ideia de ler as partituras por computador?

Nick Kitchen - Nasceu do desejo de tocar a partir das partituras completas. Você pode ver tudo o que está acontecendo na música a todo momento. Cada elemento simultâneo está lá alinhado em cada página e você pode ver como a música se encaixa. Para poder conter toda esta informação, as partituras sempre têm muitas páginas. A parte que cada intérprete lê só contém a música a partir da qual toca seu instrumento, e tem poucas páginas.

Há tanta informação adicional e “insights” que surgem a partir dos elementos que se interrelacionam e fazem a frase funcionar melhor musicalmente. Pode-se notar muitos detalhes novos nas diversas camadas de música cada vez que olhamos para a partitura completa. Mas, na hora de tocar, é difícil virar as páginas de uma partitura completa. 

Você pode dar exemplos específicos de mudanças na interpretação ou insights a partir desta nova maneira de ler partituras?

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Quando todos tocam lendo só as partes individuais de seus instrumentos, um bom tempo dos ensaios é gasto com a pergunta: “O que você tem aí?” Nesse momento, todos fazem anotações nas suas partes. Estamos acostumados com isso, mas perde-se tempo. Quando todo mundo lê a partitura total, a pergunta desaparece. Todos veem o que os demais tocam e instantaneamente entendem o que está acontecendo. É útil nas obras conhecidas, mas fica extraordinário quando se lida com música contemporânea. O processo fica dez vezes mais rápido, no mínimo. Em Beethoven, frequentemente os grupos uniformizam as arcadas e os fraseados. Mas, tocando a partir das partituras, verificamos que Beethoven muitas vezes fez marcações diferentes para cada instrumento. Naturalmente pode-se chegar a este resultado trabalhando só com as partes, mas leva mais tempo. Também foi importante ensaiar com o manuscrito original. Muitas bibliotecas têm estes tesouros em arquivos digitais, podemos acessá-los em versões PDF. Muitas obras-primas podem ser vistas no formato original. Há detalhes reveladores. Haydn, por exemplo, não definiu as articulações, deixando a decisão para os músicos. 

Ao exibir a partitura numa tela atrás do quarteto no palco, vocês criam uma cena mais atraente para o público. Mas tanto aparato tecnológico não distrai a atenção necessária para ouvir a música?

Quando adicionamos um projetor à experiência de ouvir um concerto, dividimos com o público algo que ele leva para casa depois. Nós também tocamos com projeção de animação criada por mim, sincronizada (através do pedal) com a música. É nossa imaginação se expressando sobre a música que interpretamos. A música não é mero monumento estático que admiramos, mas um veículo que interage com a imaginação do público.

Quais os equipamentos técnicos que o quarteto usa em cena?

Laptops, porque eles têm uma tela relativamente grande (dois de nós utilizamos telas de 17 polegadas) e um sistema confiável de baterias, mesmo que estejamos ligados na tomada.

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