Bob Dylan mostra em São Paulo por que sua casa é a estrada

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Por ANGUS MACSWAN
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Aos 66 anos, Bob Dylan continua, como diz uma de suas canções, "com o pé na estrada, indo para outra bocada", como o artista intrigante e cativante que sempre foi. A "bocada", na quarta e quinta-feira, foi o Via Funchal, em São Paulo. Ele ainda toca no Rio de Janeiro, no sábado. O cantor, de volta ao Brasil após dez anos, presenteou os fãs -- jovens ou nem tanto -- com 25 músicas diferentes em duas noites. Com a ajuda de uma banda de craques, Dylan resgatou as canções da década de 1960, cheias de conotações políticas, que lhe fizeram famoso e revolucionaram a música pop. Cantou também várias músicas, irônicas e inteligentes, do seu mais recente álbum, "Modern Times". Na primeira noite, os destaques foram uma vibrante versão de "Highway 61 Revisted" e a pacifista "Masters of War", tão atual agora quanto há 40 anos, além de "All Along the Watchtower", no bis. A segunda noite começou com a dobradinha "Rain Day Women" e "Lay Lady Lay", junto com a vigorosa "Tangled Up in Blue". Tanto na quarta-feira quanto na quinta-feira, o encerramento do show ficou com a clássica "Like a Rolling Stone", diante de uma platéia que levantava a voz no refrão para perguntar: "How does it feel?" E, no bis da segunda noite, lá estava a música que os brasileiros tanto queriam ouvir -- "Blowin' in the Wind". O hino pacifista virou uma espécie de funk ou R'n'B, o que mostra como Dylan consegue manter o frescor da sua obra ao reinterpretá-la. "Foi incrível. A alma dele ainda está intacta", disse o estudante Bruno Tchalian, 20 anos, após o show de quinta-feira. Nem todos ouviram suas canções preferidas, mas isso seria mesmo impossível em se tratando de um repertório tão vasto. A graça de ver Dylan nesta altura da carreira é esperar para ver o que e como ele vai cantar. Pessoas de todas as idades foram aos shows, provando o caráter atemporal de suas canções e atraindo novas gerações de devotos. E dá-lhe casais de meia-idade levando filhos adolescentes. "Meu pai é fã, então cresci ouvindo ele. Suas letras são maravilhosas", disse o estudante Marcelo Faustino, 18 anos, que foi nos dois dias. "Não dá para perder um show desses, foi histórico." FÃ SOBE AO PALCO, DE NOVO O professor de Medicina Samuel Reibescheid, 70 anos, conta que há 25 anos ouve Dylan, mas que esta foi a primeira vez ao vivo. Mas teve de vir sozinho. "Minha esposa disse que não queria pagar para ver um velho judeu chorão -- ela já tem um em casa", brincou. Reibescheid acabou sentado numa mesa com duas belas garotas de 17 e 20 anos, com as quais trocava idéias sobre Bob. O próprio Dylan parecia mais relaxado na segunda noite. Vestia-se como um "dandy", com calças pretas justas, jaqueta cinza e chapéu preto. Sua voz hoje em dia virou um resmungo, e ele tende a declamar ou embaralhar as letras. Mas é tudo parte do seu charme. Em ambos os shows, fez as três primeiras músicas acompanhando-se da guitarra, para então passar aos teclados. Mal falou com a platéia. Na quarta-feira, limitou-se a apresentar a banda e a um "hello, friends". Na quinta, quando uma moça subiu ao palco e o abraçou, ele brincou: "Não a deixem ir embora, quero dar meu chapéu a ela." Na quarta-feira, a cena se repetiu. Uma garota também conseguiu subir duas vezes ao palco, chegando a tocar em seu ídolo. Dylan tem mais uma parada no Brasil, no Rio de Janeiro, como parte da sua "Never Ending Tour", a turnê infinita, em que faz cerca de cem shows por ano há uma década. Em seguida, ele se apresenta na Argentina, no Chile, no Uruguai e volta ao México. A aclamada cinebiografia "Não Estou Lá", em que Dylan é interpretado por vários atores, tem pré-estréia no fim de semana em São Paulo. Bem, ele esteve aqui.

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