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Biografia revê trajetória de Miles Davis

O antropólogo John Szwed busca o caminho pelo qual Miles Davis se tornou um mito e uma referência artística com a biografia So What - The Life of Miles Davis

Por Agencia Estado
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Ex-amante de Juliette Grecco e Cicely Tyson, parceiro de John Coltrane, Gerry Mulligan, Art Blakey, Roy Haynes, Horace Silver e Charlie Parker, autor de obras-primas como Sketches of Spain, Round About Midnight e Miles Ahead. O trompetista Miles Davis (1926-1991) foi um prodígio tanto na vida artística quanto pessoal, um dos criadores mais fascinantes do século 20. Das roupas exuberantes ao estilo cool, da vida alucinada aos gostos burgueses, sofisticados. Sua história foi descrita em diversos livros, como Miles Ahead, de Paul Tingen; Miles Davis: The Definitive Biography, o tour de force de Ian Carr; e mesmo sua autobiografia, escrita com Quincy Troupe. Mas havia mais a dizer e a rebuscar, muito sobre a importância simbólica de Miles em sua época, ponderou o antropólogo americano John Szwed, especialista em estudos afro-americanos e música e professor de Yale. "Durão por fora, inseguro por dentro", seria a definição adequada do músico. Szwed então perpetrou So What - The Life of Miles Davis (Simon & Schuster), uma alentada nova biografia do trompetista. So What, o nome que ele dá ao livro, também é o título da faixa de abertura de uma das obras-primas do trompetista, o disco Kind of Blue, de 1959, no qual o músico teve as companhias de Cannonball Adderley, John Coltrane, Bill Evans, Wyntn Kelly, Paul Chambers e Jimmy Cobb. John Szwed, o autor, não é um neófito na área: já tinha sido muito celebrada sua biografia Space Is the Place: The Lives and Times of Sun Ra (1997), sobre a vida do pianista Sun Ra (1914-1993), nascido Herman ´Sonny´ Blount no Alabama, nas raízes enlameadas do blues. "Não é uma biografia no sentido contemporâneo do termo, mas principalmente uma meditação sobre a vida de Miles Davis", disse o autor. Adam Shatz, no The New York Times, lembra uma passagem curiosa da vida de Davis em seu artigo sobre o livro de Szwed. Ele conta que, nos estertores da carreira, o trompetista se achava sentando ao lado de uma "matrona de Washington" durante um jantar na Casa Branca. O que o sr. fez para ter sido convidado?, perguntou-lhe a perua, inocentemente. "Bem, eu mudei o panorama da música umas quatro ou cinco vezes", grunhiu o músico. "E o que a sra. fez de alguma importância (para estar aqui) além de ser branca?" Irascível e ao mesmo tempo generoso, Miles uma vez avisou: "Não tente me tornar um cara legal." A biografia de Szwed não ignora nem teme o aviso, mas apenas tenta decifrar os caminhos pelos quais Davis se tornou um mito e uma referência artística. Filho de um dentista de Illinois, Miles nasceu Miles Dewey Davis 3º em 26 de maio de 1926 em Alton, Illinois, às margens do Rio Mississippi. Seu pai, Miles 2º, nascera em 1900 em Pine Bluff, Arkansas, de uma família de seis homens e três mulheres. Seu avô, Miles 1º, viera da Georgia e casara com Mary Frances, do Arkansas, e teve uma segunda mulher, Ivy, que foi a avó que Miles conheceu quando estava crescendo. Seu avô era contador de uma fazenda em Noble Lake, Arkansas, no sudoeste do delta do Mississippi. Era nessa fazenda que o jovem Miles 3º passava os verões visitando seus avós, brincando com seus tios (Ed e John, filhos do primeiro casamento de sua avó, e que eram apenas um ano mais velho e um ano mais novo que ele) e cavalgando um cavalo que seu avô lhe dera. Embora não tivesse feito o colegial, o pai de Miles passou por um teste de equivalência no Arkansas Baptist College e se graduou com honras. Entrou então para a Lincoln University para treinamento de protético e depois se tornou dentista pela Northwestern University´s School of Dentistry. Foi no Arkansas Baptist College que ele encontrou a mãe de Miles, Cleota H. Henry. A primeira filha do casal Davis foi Dorothy Mae, que nasceu em 1924, dois anos antes de Miles 3º. Depois veio o caçula, Vernon, de quem Miles tinha ciúmes, segundo Szwed. Tornou-se trompetista contrariando o desejo da mãe e começou a tocar ainda adolescente numa banda de St. Louis, a Eddie Randle´s Blue Devils. Os irmãos Davis revelaram sempre talento para a música. Quando jovens, faziam espetáculos para si mesmos, e mais tarde passaram a fazê-los para seus hóspedes, a pedido dos pais. Dorothy tocava piano, Miles o trompete e Vernon dançava. "Eu não podia marcar touca. Eu sabia que, não importava o que fizesse, se eu não fosse bom, meu pai ia me esganar", lembrou Miles Davis. Essa relação com os pais - "a mãe era quem mais o punia", lembra o autor Szwed - está na raiz da análise psicológica que o livro faz do músico. Há poucos deslizes na biografia de Szwed. Um deles dá conta de que Quincy Jones teria sido o produtor do trabalho no qual Miles integrava, em 1985, o projeto Sun City (Artists United against Apartheid). Na verdade, os produtores eram Little Steven e Arthur Baker e Miles tocava com Herbie Hancock, Stanley Jordan, Ron Carter e outros.

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