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Beyoncé lança 'Renaissance' e críticos avaliam 8 álbuns de sua carreira

Trajetória de uma da maiores estrelas da música mundial é analisada a partir de discos que lançou nos últimos 23 anos

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Por Redação
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Nos dias de hoje, muito se fala de “eras” das estrelas pop, mas o termo é mais uma ferramenta de marketing do que um conceito que faça algum sentido. É raro o artista que consegue sustentar múltiplas visões e se regenerar várias vezes seguidas. Mas diferentes momentos culturais e sociais exigiram diferentes Beyoncés – e ela tem se mostrado à altura do desafio. Em algumas vezes, ela foi uma potência dos singles, dominando as rádios e as paradas pop. Em outras, ela se anunciou como uma força cultural sísmica, atuando em um campo muito maior que a música.

Beyoncé acaba de lançar 'Renaissance', seu mais recente projeto de estúdio. Foto: Timothy A. Clary / AFP

Nesta sexta-feira, 29, ela lançou Renaissance, seu sétimo álbum solo de estúdio. Abaixo, oito críticos e repórteres do New York Times escolhem o que acreditam ser seu álbum definitivo até agora, aquele que revela mais verdade sobre o alcance e a forma de sua carreira.

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‘B’Day’ (2006)

O segundo álbum solo de Beyoncé abre com Déjà Vu e bass [baixo] é a primeira coisa que a ouvimos dizer. Aí começa no fundo uma batida bem bootylicious. A segunda palavra que ela diz é “hi-hat” [pratos]. E o que se segue é uma levada metálica. Mas eu não sei o que acontece, porque não é assim que os pratos soam quando você bate neles. Estes aqui? Eles fazem uma coisa bem louca. Parecem se dobrar.

Esta é a marca registrada de pelo menos a primeira metade deste álbum. B’Day chegou em 2006, pouco antes do Dia do Trabalho. E a coisa toda – menos duas das últimas três baladas – parece encharcada com o jorro de um hidrante aberto.

Déjà Vu se espalha em Get Me Bodied, que pula para Suga Mama, depois Upgrade U e Ring the Alarm, que leva a Kitty Kat, Freakum Dress e Green Light. Diferentes quartos na Single Ladies Night do maior clube de Stankonia. Ele escorre e espreita. Este álbum é o que culmina com a nona faixa: Irreplaceable, a “Wanted Dead or Alive” das baladas “better call Tyrone”.

B’Day não tem as múltiplas personas de Sasha Fierce, nem aquela indiferente idiossincrasia de 4, o primeiro de seu trio de obras-primas. É um desfile de faixas dançantes sobre a luxúria e seus descontentamentos, sobre como dominar a balada com um andar de Naomi Campbell. O canto de Beyoncé ainda não tinha passado pela puberdade de interpretar Etta James. E sim, as duas aparições de Jay-Z ainda soam como uma fórmula replicada em vez de uma parceria forjada. Mas não faço ideia de por que ela aparece na capa como uma Brigitte Bardot que acabou de perder o último trem para Stepford.

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O essencial, porém, é a determinação de sua autora de fazer mais do que o último álbum de uma cantora pop. Beyoncé quer que os sintetizadores e baterias eletrônicas se divirtam com todos os metais, a percussão latina e até uso de um ney, uma flauta turca (que aparece nos créditos). Ela quase recorre à violência e até faz piadas. Eu me lembro de ter ouvido essas músicas pela primeira vez e me sentido muito malandro e elegante. Também me lembro de dar risada. Mas com respeito. Afinal, ela foi lá e chamou a coisa toda de B’Day, como uma estrela que sabe que acabou de nascer.  — Por Wesley Morris.

 

‘I Am … Sasha Fierce’ (2008)

Antes do terceiro LP solo de Beyoncé, ela era o destaque de um grupo feminino. Era uma mestra das cadências onde o R&B do início dos anos 2000 encontrou o hip-hop. Era uma praticante robusta da balada, da dança com alma. Mas em I Am… Sasha Fierce, ela se tornou algo mais significativo: uma personagem.

Sasha Fierce era o nome de um alter ego que Beyoncé criara ao longo dos anos “sempre que eu tinha que me apresentar”, ela disse a Oprah Winfrey em 2008. Era sua persona no palco: a destemida e impetuosa rainha do pop vestida de collant, não a recatada mortal no sofá da apresentadora, discutindo corajosamente seu trabalho – algo que Beyoncé pararia de fazer quando a ferocidade saísse dos palcos para se transformar na sua imagem pública padrão. Beyoncé assumindo o controle de como sua música é lançada, comandando um exército de garotas em um deserto apocalíptico empoeirado, liderando um esquadrão de dançarinos no intervalo do Super Bowl, transformando um festival de música em uma vitrine pessoal, redefinindo seu relacionamento com o marido, controlando sua imagem no Instagram – tudo isso vem da fusão de Sasha Fierce com Beyoncé.

A música de I Am... Sasha Fierce foi dividida ao meio: oito baladas onde Beyoncé desfraldava vocais elegantes e virtuosos, e oito batidas rápidas entregues com rosnados e garra. A chegada de Sasha Fierce foi cimentada em Single Ladies (Put a Ring on It), onde ela se tornou uma porta-voz desafiadora para as pessoas desprezadas. A dinâmica de gênero dominava as faixas mais interessantes do álbum, entre elas If I Were a Boy, onde Beyoncé imagina a liberdade que ela desfrutaria se tivesse direito ao poder da masculinidade, e Diva, onde ela redefine um arquétipo feminino como uma pose malandra e masculina.

Mas o verdadeiro ponto alto do álbum talvez seja Video Phone, uma faixa quase atonal e monótona que Beyoncé relançou como um remix com Lady Gaga, à época a estrela mais aventureira do pop – Beyoncé retribuiu o favor com uma aparição em Telephone que a deixou espantosamente, gloriosamente esquisita. Nos últimos anos, elas quase trocaram de carreira: Gaga virou a tradicionalista e Beyoncé, a exploradora. — Por Caryn Ganz.

‘4’ (2011)

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Até Beyoncé teve que recuar e recentralizar antes de explodir novamente. Entre o bombástico I Am … Sasha Fierce e Beyoncé, após uma separação de seu pai empresário e uma espécie de hiato criativo, veio o relativamente moderado 4, o primeiro álbum lançado pela empresa de entretenimento da cantora, a Parkwood.

O fato de Beyoncé ter escolhido, neste momento de renovação e autodeterminação, se envolver no calor do soul tradicional e do R&B foi revelador, e valeu a pena na força de suas performances vocais, que se classificam entre as melhores, mesmo na inconsistência do conjunto de baladas do álbum. Abrir a lista de faixas original com 1+1, possivelmente sua demonstração mais emocional, parecia na época uma brincadeira com a seriedade e, ao contrário da maioria das estrelas pop que encaram a frivolidade, realmente funcionou: mesmo que 4 continue sendo o menos bem sucedido comercialmente dos álbuns solo de Beyoncé, parece o momento pivô em que ela passou a ser percebida como uma artista de álbum autoral com letra maiúscula, atemporal e muitas vezes intocável. Desmontar-se bem pode fazer isso.

No entanto, 4 também contém alguns dos singles mais duradouros e do gosto do público de Beyoncé (Love on Top, Countdown, Party), além de sua melhor faixa bônus (Schoolin' Life), com produção e escrita da dupla The-Dream e Tricky Stewart, colaboradores consistentes ao longo das várias eras da cantora, operando no auge de seus poderes. (Mesmo o principal single do álbum, Run the World (Girls), que na verdade não se encaixa bem e foi originalmente colocado no final da lista de músicas, fornece a melhor espiada no momento autointitulado que está por vir.) Beyoncé pura, em apenas 12 faixas oficiais, mas com muitas das coisas que ela faz de melhor, 4 é um aperitivo e um limpador de paladar que acaba sendo melhor do que a maioria das refeições. — Por Joe Coscarelli

 

‘Beyoncé’ (2013)

Quando o quinto álbum de um músico é autointitulado, pode ser um sinal de artifício vazio ou falta de ideias. Mas Beyoncé marcou sua transformação completa na estrela que conhecemos desde então: uma artista cujo verdadeiro meio é a fama, que não pode se limitar a nenhum formato, que dobra o mundo à sua vontade.

À meia-noite de 13 de dezembro de 2013, Beyoncé postou “Surprise!” no Instagram, e as 14 músicas e 17 vídeos do álbum apareceram à venda no iTunes. O lançamento furtivo - na época, parte de uma estratégia defensiva contra vazamentos - foi o que mais capturou a imaginação do público. Mas, em retrospecto, Beyoncé aparece como um manifesto mais amplo sobre Beyoncé como artista e ser humano. É sobre conter multidões e parecer fabulosa ao fazê-lo. Músicas como Flawless e Pretty Hurts (“Nós iluminamos o que há de pior”) a posicionam como um paradoxo, perfeita e imperfeita, uma divindade com quem se pode relacionar um pouco.

No entanto, “Beyoncé” também marcou o ponto em que a mera música parecia insuficiente para ela. O verdadeiro projeto de Beyoncé estava em uma tela maior, centrado em sua imagem e sua potência como uma celebridade da mídia do século 21. Os videoclipes que faziam parte do “álbum visual” original – agora melhor visualizado como playlist do YouTube – são essenciais para a história que ela conta. Essa narrativa toca no significado do feminismo (com lugar para lap dance), monogamia e identidade negra; o vídeo de Superpower inclui até uma cena de protesto no estilo Black Lives Matter com Beyoncé de camuflagem e meia arrastão.

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No entanto, na sua maior parte, essa história se soma à majestade de Beyoncé, com a música sendo apenas uma joia da coroa. - Por Ben Sisario

 

‘Lemonade’ (2016)

Em Lemonade, Beyoncé fundiu uma mensagem de solidariedade com um grito do coração. O segundo dos álbuns visuais de Beyoncé, Lemonade, reuniu recursos musicais e fílmicos luxuosos para expandir uma história individual – a fúria de uma esposa traída – em direção ao reconhecimento de quantos tipos de injustiça, pessoal e histórica, as mulheres sofreram, particularmente as negras.

As músicas se destacaram facilmente por conta própria, com experimentações sonoras e uma estranha sensação de espaço em estruturas pop robustas. Beyoncé colaborou amplamente e trouxe samples de vários gêneros e épocas: Kendrick Lamar, The Weeknd, James Blake, Yeah Yeah Yeahs, Led Zeppelin, Animal Collective. Ela lançou imprecações roucas em Hurt Yourself e deixou sua voz quebrar com desespero choroso e então encontrar sua própria resolução no hino Sandcastles. Ela trouxe o country do Texas com Daddy Lessons, música eletrônica com Sorry e uma unidade de banda marcial em Freedom.

As letras do álbum continuaram a postura de autodeterminação de Beyoncé ao longo da carreira, mas também admitiram dor e perplexidade. Ouvido como um todo, Lemonade criou uma narrativa da fratura, separação e, surpreendentemente, reconciliação de um casal, com um pós-escrito – Formation – que postulava o sucesso de Beyoncé como a ponta de um movimento.

Então o álbum visual multiplicou as implicações das músicas. Beyoncé recitou poemas de Warshan Shire que via a dor das mulheres não apenas como individual, mas arquetípica. Ela mostrou imagens de mulheres de todas as idades e várias épocas – em vestidos de fazenda, pintura facial no estilo africano, alta costura e streetwear – e de pais reais de luto por crianças baleadas pela polícia. Na tela, Beyoncé estava cantando não só para ela, mas para todos eles.Por Jon Pareles

Eu sei exatamente onde eu estava quando Lemonade chegou: em casa lamentando a morte de Prince ouvindo sua obra obscura e familiar. Então o álbum mais pessoal de Beyoncé chegou como uma oferenda ao seu público e seus ancestrais, um presente sobrenatural que cruzou histórias, geografias e gêneros para nos ajudar a nos curar.

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Ela estreou em um palco, depois em um campo usando um moletom com capuz. Com a assombrosa balada Pray You Catch Me como trilha, ela foi uma substituta de Trayvon Martin, tragicamente morto na Flórida. E à medida que a história de seu álbum se desenrolava, essa insistência em não esquecer foi ressaltada pela aparição de sua mãe, Sybrina Fulton; a mãe de Eric Garner, Gwen Carr; e a mãe de Michael Brown, Lezley McSpadden-Head; cada uma segurando fotografias de seus filhos falecidos. Essas eram as apostas do álbum – Lemonade não era sobre uma mulher desprezada (embora isso possa estar lá), mas um trabalho feito na luta e para um povo cujas vidas parecem não importar. Então, sim, é justo dizer que este foi seu álbum de movimento, mas também é seu álbum principal.

Beyoncé estava experimentando o formato em vídeo; seu álbum autointitulado de 2013 foi uma mistura de estilos, personas e declarações. Mas em Lemonade, ela estava mais liberada – para além do olhar de seu pai ou do olhar de seu marido – e na companhia de outras mulheres e meninas negras com quem encontrou consolo e salvação. E como se isso não bastasse, Beyoncé também estava acertando contas e balançando tacos de beisebol.

Assisti-lo por mais de uma hora era embarcar em uma jornada épica; ouvi-lo foi testemunhar sua versão do cancioneiro americano. Sua rápida mudança do reggae (Hold Up) para o rock (Don't Hurt Yourself), do country (Daddy Lessons) para o hip-hop (Formation), com tanto soul e R&B no meio (Freedom, alguém?) não foi apenas uma prova de sua habilidade, mas também seu testemunho sobre o poder inovador da música negra e como ela repetidamente torna a música pop americana tão popular. Durante aquele fim de semana em abril de 2016, Beyoncé não apenas nos deu sua genialidade, ela moveu uma nação. — Por Salamishah Tillet

‘Homecoming: The Live Album’ (2019)

Não é muito controverso chamar a brilhante performance de Beyoncé no Coachella de 2018 – com licença, Beychella – de um dos destaques indiscutíveis de sua carreira. Então, por que o álbum ao vivo de 2019 Homecoming ainda parece estranhamente subestimado? Mesmo sem o visual deslumbrante, considerado apenas como um documento sonoro, o Homecoming imaculadamente gravado merece ser mencionado ao lado de clássicos do gênero como Live at Leeds do Who, Live at the Harlem Square Club de Sam Cooke e Stop Making Sense, de Talking Heads. (O show está disponível na Netflix.)

Ao longo de quase duas horas, Homecoming torna-se algo mais do que uma lembrança da impressionante experiência de shows de Beyoncé. Também funciona notavelmente bem como uma peça de música ininterrupta, um medley de 40 músicas habilmente arranjado que encontra moods e grooves comuns em todo o profundo catálogo de Beyoncé - em grande parte graças à presença unificadora de uma linha de bateria e banda marcial, lembrando as de históricas faculdades e universidades negras – e defende sua discografia não como uma coleção díspar de épocas e estéticas, mas um vasto continuum contendo algumas das músicas pop mais inovadoras do século.

Uma versão militante de Sorry se transforma perfeitamente em um furtivo Me, Myself and I; Don’t Hurt Yourself segue para uma versão transcendente de seu antecessor espiritual I Care (apenas no caso de Beyoncé precisar lembrar a alguém que ela estava fazendo músicas de separação muito antes de Lemonade); até mesmo seu verso no remix de Mi Gente, de J Balvin, de 2017, vai direto para seu sucesso solo inicial com Sean Paul, Baby Boy, sutilmente ligando os pontos entre as diferentes décadas de pop sobre as quais ela reinou. No momento em que Beyoncé (e uma multidão de cerca de 100.000 pessoas gritando) atinge o auge do álbum – uma mistura extática de Get Me Bodied e Single Ladies - é difícil sentir qualquer coisa além de admiração encharcada de suor com o escopo do que ela acabou de alcançar. — Por Lindsay Zoladz

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Destiny’s Child, ‘The Writing’s on the Wall’ (1999)

Uma ligeira trapaça aqui, mas ouça-me. Antes de The Writing's on the Wall, lançado em 1999, Destiny's Child era um promissor grupo feminino de R&B com fortes raízes gospel. Seu álbum de estreia relativamente simples de 1998 era bom, às vezes muito bom. Mas a mudança em The Writing’s on the Wall é visível. É um álbum descontroladamente divertido, cheio de produção e arranjos arriscados – batidas aquáticas, filigranas estranhas, harmonias enérgicas e poderosas. Para evoluir seu som, Beyoncé (e suas colegas de grupo) optaram por trabalhar com pop e soul progressivos, incluindo Missy Elliott, Kevin (She'kspere) Briggs, Kandi Burruss e Rodney (Darkchild) Jerkins, todos no auge de seus poderes. Bills, Bills, Bills é vertiginosamente complexa, Jumpin', Jumpin' é futuristicamente forte e o canto de Beyoncé no final de Bug a Boo é uma exclamação crescente da glória tradicional no modismo do presente.

Esses colaboradores usaram o Destiny's Child como um modelo para o pop com visão de futuro baseado na soul music experimental, e Beyoncé estava prestando muita atenção. Ao longo de sua carreira solo, ela se destacou em encontrar maneiras de incorporar a vanguarda da composição e da produção, demonstrando uma compreensão sobrenatural de como gestos inesperados podem aprofundar a visão de um artista, não distraí-la. O longo trajeto dessa lição se estende por sua discografia solo: Upgrade U, Run the World (Girls), Partition, Get Me Bodied e muito, muito mais. —  Por Jon Caramanica. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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