Belchior raro e pop é revisto em coletânea e homenagens

Álbum 'Belchior 70 Anos - Pequeno Mapa do Tempo', produzido por Renato Vieira, traz versões obscuras enquanto Amelinha se prepara para gravar seu tributo ao amigo cearense

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Por Julio Maria
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Mais do que entrar na esteira do revisionismo histórico impulsionado pelo potencial mitológico da morte de um fugitivo de si mesmo que narrou toda sua tragédia antes mesmo que ela começasse, a obra de Antônio Carlos Belchior vive dias de descoberta. O anúncio dos discos preparados para serem lançados em breve dá sinais do quanto ainda há de sombras na história do homem que nunca gostou da luz.

Artista começa a ser revalorizado por projetos fonográficos Foto: SILVIO RICARDO RIBEIRO / ESTADÃO

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Mesmo o que poderia ser uma coletânea sem novidades se transforma, nas mãos do produtor e jornalista Renato Vieira, em um equilíbrio entre o imaginário popular e o inesperado. Antes da morte do cantor, ele já havia proposto o projeto à gravadora Warner, companhia que lançou cinco álbuns da grande fase do artista. “Eu queria homenageá-lo em vida, adoraria ter contado com as ideias dele”, diz Vieira, que assinou também a produção de uma caixa em setembro de 2016, com três discos lançados pelo cearense por outra empresa, a Universal: Alucinação, de 1976, sua criação maior; Melodrama, de 1987; e Elogio da Loucura, de 1988.

Se fosse um LP, Belchior 70 Anos – Pequeno Mapa do Tempo teria o lado A reservado aos maiores hits, palavra estranha no vocabulário do artista, e o B aos garimpos. A sequência começa com Coração Selvagem, Divina Comédia Humana, Todo Sujo de Batom, Na Hora do Almoço, Pequeno Mapa do Tempo, Medo de Avião, Comentário a Respeito de John e Paralelas. A partir da faixa 9, é bom legendar. Apenas Um Rapaz Latino-Americano e Como Nossos Pais são versões raras de uma coletânea de 1981 chamada Divina Comédia Humana. Meu Nome É Cem também saiu apenas em um álbum coletivo, sem jamais habitar oficialmente sua discografia, chamada Super New Disc. Sorry Baby e A Palo Seco saem de um compacto de 1973. Sem uma ficha técnica do disco original, a única informação vem de uma matéria do jornal Folha de S.Paulo, levantada por Vieira, que diz que ambas as canções tiveram arranjos do maestro tropicalista Rogério Duprat. E a última, Trecho do Salmo 50 / Galos Noites e Quintais com Apresentação de Mazzola entrou depois de uma dica de um fã. A gravação saiu de um álbum promocional feito para lançar a gravadora Warner no Brasil, em 1976.

Esteticamente, a obra de Belchior parece se dar melhor, ao menos nesse momento da revisita histórica, quando o coloca como o trovador. Quanto mais acústico, melhor? “Temos que lembrar que o grande hit de Belchior é Medo de Avião, de 1979”, diz Vieira. “Acho que ele gostava de experimentar.” Curiosamente, o sobrevoo aponta dois fatores que podem ter impedido uma reinvenção de Belchior por meados dos anos 1980, quando todo mundo se reinventava para atingir as massas prometidas na era das FMs. Belchior não se tornou um cantor romântico, como Fagner, e jamais foi agraciado pela usina pop que abastecia as novelas da Globo, como aconteceu com Zé Ramalho e tantos nomes da década.

O produtor Thiago Marques Luiz anuncia um outro projeto de homenagem ao cantor. Em julho, a cantora Amelinha, que formou com Belchior, Fagner e Ednardo uma frente conhecida como Pessoal do Ceará, entra em estúdio para começar a gravar o álbum De Primeira Grandeza. O repertório terá 12 músicas do Belchior, entre elas sucessos como Paralelas, Medo de Avião, Mucuripe e Divina Comédia Humana e outras bem mais obscuras, como Passeio, Incêndio e Princesa do Meu Lugar. Outra cantora amiga de Belchior, Lúcia Menezes, tem músicas inéditas do cantor feitas na época em que o cearense estudava Medicina.

Ao mesmo tempo, a obra máxima de Belchior, Alucinação, de 1976, é recolocada nas prateleiras em formato LP pela empresa Polysom. O segundo disco de estúdio do artista é o que vai consagrá-lo como grande compositor, sobretudo pelas canções Apenas um Rapaz Latino-Americano, Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida, as duas últimas também gravadas por Elis Regina. Em um mês, o disco atingiu a marca das 30 mil cópias vendidas.

João Augusto: Álbum retrata tudo o que queríamos dizer' Mesmo sem números, João Augusto, responsável pela fábrica de vinil Polysom, que está relançando o disco Alucinação, de Belchior, 41 anos depois, diz que espera repetir o sucesso comercial de Acabou Chorare com as vendagens.

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Em tempos de crise, como anda o mercado de LPs comparado aos últimos dois ou três anos? Há um reflexo muito grande no meio? O mercado de venda de vinil continua surpreendendo por sua força e crescimento constante, tanto aqui como no mundo. Podemos dizer que se trata de um formato novamente consolidado, com grande qualidade e variedade. Há uma oferta enorme de equipamentos para todos os níveis de poder aquisitivo, lançamentos de títulos recentes e de catálogo, e consolidação das fábricas, tanto as grandes como as pequenas. É fato que o crescimento do último ano foi em menor ritmo do que nos anos anteriores, mas foi bastante representativo se comparado com as demais mídias físicas, que caíram radicalmente.

Qual a sua expectativa para as vendas de Alucinação? Prevemos que seja um fenômeno como vem sendo o Acabou Chorare, dos Novos Baianos, para citar um exemplo forte de venda. O disco é um clássico em todos os sentidos. Para mim, especialmente, ele foi extremamente marcante quando lançado originalmente. Nele, o poeta, autor e intérprete Belchior retrata tudo o que a gente queria dizer na época. É uma honra muito grande estarmos envolvidos nesse relançamento, que já vinha sendo preparado antes da sua morte.

Como percebe a reação dos clientes nesses primeiros dias de lançamento do disco? Não tivemos ainda tempo para uma observação definitiva, mas deu para termos uma ideia da importância antes mesmo do lançamento, pela ansiedade que ele causou desde o instante em que o anunciamos.

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