Barry Gibb tem uma missão: manter a música viva

Aos 74 anos, o último integrante dos Bee Gees diz que sua missão é ‘seguir tocando’ e lança disco no qual revisita sucessos do grupo com um toque country

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Por Alex Pappademas
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Barry Gibb, o último sobrevivente dos Bee Gees, conversou conosco do estúdio em sua casa na Flórida, próxima de Biscayne Bay. “Eu tinha um grande barco. Uma lancha a motor”. Ele a chamou de Spirits Having Flow, em razão do álbum homônimo do gripo, de 1979, vender mais de 25 milhões de cópias no mundo todo. “Eu queria navegar como um louco pela baía para ter novas ideias.”

Às vezes, ele nem precisava de uma lancha para isso. Um dia, o empresário dos Bee Gees, Robert Stigwood, ligou para dizer que estava produzindo uma versão para o cinema do musical Grease e precisava de uma música-título para o filme. Barry não tinha visto o filme, então foi um desafio em termos de criação.

Aos 74 anos Barry Gibb abraça sua vocação country em novo álbum Foto: Rose Marie Cromwell/NYT

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“Como, em nome de Deus, você compõe uma música chamada Grease?”, ele se perguntou. “Lembro-me de caminhar pela marina e de repente me ocorreu que era uma palavra, tinha de escrever sobre a palavra.”

Grease é a palavra”, ele escreveu, “é a palavra que você ouviu. Tem ritmo, tem um significado.”

Ele resolveu a charada e viu a luz no fim do túnel. A palavra era “grease” (que em inglês significa “graxa”) e ela era boa. Grease foi gravada por Frankie Valli e foi lançada em maio de 1978, ficando em primeiro lugar na lista Hot 100 da Billboard no final de agosto. Foi a sétima composição de Gibb a ocupar o primeiro lugar no catálogo da Billboard naquele ano, depois de How Deep Is Your Love, Stayin’Alive, Night Fever e If I Can’t Have You, todas da trilha sonora do filme Os Embalos de Sábado à Noite, e Shadow Dancing e (Love is) Thicker Than Water, singles que Barry compôs para seu irmão Andy Gibb. Na Billboard Hot 100 da semana de 3 de março de 1978, as composições dos Irmãos Gibb ocuparam os três primeiros na lista das top cinco.

Isto durou um longo tempo – sucesso um após o outro. E então acabou.

No início dos anos 1970, os Bee Gees foram para Miami para tentar gravar nos Estados Unidos. O que deu bastante certo para eles – e Barry passou a viver ali desde então.

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“É uma casa grande, não chamaria de mansão”, disse Gibb que, desde que mora nela, teve Matt Damon, Dwyane Wane e Pablo Escobar como vizinhos.

Novo álbum e um documentário

Ele está com 74 anos, e sua lendária cabeleira loira agora está grisalha e mais escassa, sob um chapéu de couro estilo australiano. Suas palavras não explicam plenamente o mais recente álbum, Greenfields: the Gibb Brothers Songbook Volume 1, gravado em Nashville, Tennessee, com o produtor Dave Cobb, que estará à venda em janeiro; este mês, será lançado o documentário do diretor Frank Marshall da HBO, The Bee Gees: How Can You Mend a Broken Heart. No início do filme, vemos Gibb e seus irmãos Maurice e Robin da maneira que muita gente lembra deles: de camisa de gola aberta prateada, medalhões ostentosos no peito.

Disco Greenfields: The Gibb Brothers Songbook, Vol.1, foi gravado em Nashville e será lançado em janeiro Foto: Rose Marie Cromwell/NYT

Mas depois os refletores se fixaram nele, eliminando o resto da banda. Foi o presságio de um desaparecimento literal. Desde 1979, Gibb perdeu três irmãos – Andy, o mais jovem que disparou como artista solo, tutelado por Barry, mas lutou com o vício das drogas, morreu em 1988, aos 30 anos, de miocardite; Maurice morreu em 2003 de complicações causadas por um problema no intestino; Robin morreu em 2012 de complicações de um câncer e uma cirurgia intestinal.

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Restou apenas Barry Gibb como o representante vivo de um catálogo de músicas que se tornaram standards contemporâneos, interpretadas e gravadas por Janis Joplin (que cantou To Love Somebody em Woodstock) e Destiny’s Child (que fez um cover de Emotion em seu terceiro álbum), como também o reverendo Al Green, os irreverentes The Dicks, Bruce Springsteen e Miss Piggy, dos Muppets. É difícil imaginar um mundo em que ninguém canta mais as músicas dos Bee Gees, mas Gibb viu o bastante para compreender que nada é para sempre.

“A missão é manter a música viva”, disse ele. “Isto independe de nós, independe de mim. Um dia, como meus irmãos, não estarei mais por aqui e desejo que a música perdure. Assim, continuo a tocar, o resto não importa.”

Gibb tem pouca familiaridade com a música pop moderna, que entende ser um mundo comandado por crianças que usam apelidos e números. Espera que alguém esteja dando a elas um bom conselho. “Ele não ouve muito dessa nova música. Ouve a música da sua juventude”, disse seu filho Stephen Gibb.

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As primeiras lembranças musicais de Barry Gibb são de harmonia – os Everly Brothers e o quarteto vocal de jazz Mills Brothers, tocando na vitrola na casa dos seus pais. E traça uma linha direta disto para todo o resto; a razão pela qual ele, Robin e Maurice começaram a cantar juntos.

Mas depois foi atraído pela música country, particularmente quando os irmãos mudaram da Inglaterra para a Austrália, em 1958, pouco antes de Barry completar 12 anos de idade.

“Eu me apaixonei pela bluegrass music (ramificação do folk), fiquei obcecado por esse gênero quando ainda era criança porque na Austrália, em 1958, você não ouvia muita coisa a não ser esse tipo de música.”

Sonoridade country

Gibb disse que sempre teve algo de country no som dos Bee Gees, independente dos seus irmãos desejarem isso particularmente. Mas a ideia de gravar um álbum country era um desejo seu há décadas, até o ano passado, quando assinou um contrato com a Capitol Records e se discutiu revisitar o catálogo dos Bee Gees de algum modo. Ele então viu que seu momento country havia chegado.

Barry Gibb vive em Miami, na Flórida, desde os anos 70, e nesse período já teve como vizinhos Matt Damon e Pablo Escobar Foto: Rose Marie Cromwell/NYT

“Levei meu pai a apreciar Jason Isbell, Chris Stapleton e Brandi Carline e Sturgill Simpson”, disse Stephen Gibb. “Ele achou aquelas gravações excelentes. ‘São brilhantes’, ele disse. O fio condutor em muitas dessas gravações foi Dave Cobb.”

Cobb, 46 anos, conquistou vários prêmios Grammy por seu trabalho com Carlile, Stapleton e Isbell. E era também um fã dos Bee Gees. Em outubro de 2019, Gibb estava no estúdio da RCA em Nashville gravando novas versões de clássicos dos Bee Gees e outras músicas menos conhecidas com Keith Urban, criador de sucessos modernos, tradicionalistas como Alison Krauss, Gillian Welch e David Rawlings, e ícones como Parton.

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Ele e Gibb interpretaram uma música de 1968 dos Bee Gees, Words, no primeiro dia de gravação. Segundo Cobb, “essa foi provavelmente a sessão mais intimidadora em toda a minha vida”. E disse ter caminhado na direção do microfone para tocar sua guitarra e “as pernas começaram a tremer”.

Isbell ficou igualmente intimidado ao cantar com Gibb a música Words of a Fool, composição de Gibb para a trilha sonora do filme de 1988 Os Falcões, praticamente esquecido.

A voz de Gibb em Words of a Fool é forte, mas espectral, seu vibrato traz à mente o cantor de jazz Jimmy Scott. Quase seis décadas depois de ele ter cantado pela primeira vez numa gravação, ela continua um dos mais etéreos instrumentos na música popular.

“Perguntei a ele como sua voz ainda soava daquela maneira”, disse Isbell. “Sempre tenho medo de fazer uma pergunta desse tipo para as pessoas, não quero ofendê-las reconhecendo sua idade. ‘Barry, como consegue cantar assim de modo tão belo e poderoso?’, perguntei. E ele respondeu: ‘na verdade, nunca gostei de cocaína. Você tem de cheirar a cada 15 minutos para trabalhar. Por isso, não me atrai’. Esta é a resposta perfeita para essa pergunta.”

Histórias 

Em 1979, enquanto os Bee Gees viajavam pelo mundo no seu Boeing 720 personalizado com seu logo pintado na cauda do avião, um movimento anti-disco se formava entre os fãs do rock’n’roll branco. Entre dois jogos durante uma competição do time de beisebol White Sox, de Chicago, um DJ chamado Steve Blew explodiu uma caixa repleta de gravações em vinil no campo do Comiskey Park.

No documentário da HBO, de Frank Marshall, o produtor de house music de Chicago Vince Lawrence lembra ter visto pessoas aparecendo naquele dia carregando discos de vinil de artistas negros que não tinham nada a ver com o estilo disco e descreveu o evento como “racista, homofóbico” e como “queima de livros”.

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O gênero disco como fenômeno cultural era considerado negro, mulato e gay; o fato de os Bee Gees não se enquadrarem nesse estilo não os impediu de serem pegos no fogo cruzado. Eles eram os avatares pop do gênero e o movimento chamado “Disco Sucks” (Disco é um lixo, em tradução livre) os transformou em párias.

“A dinâmica da sua situação mudou da noite para o dia”, disse Marshall. “Tudo que sonharam estava acontecendo. Eles estavam no ápice. E de repente tudo se tornou um pesadelo e tinham de ser escoltados e sempre havia ameaças de bombas. ‘Espere, somos apenas uma banda’, diziam, mas era muito mais forte do que eles. Foram pegos no meio da história. Seu maior momento se tornou seu maior pesadelo. Realmente adorei essa ironia.”

Gibb disse que jamais deixou que os eventos no Comiskey Park o incomodassem. “Sabia que tudo o que você faz chega a um fim, não importa o que seja.”

Ele não espera conquistar as paradas do pop novamente; fazer mais álbuns como este de duetos seria o suficiente. “Sou um cantor de country. Sempre fui um cantor de country”, diz ele. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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