Barbara Hendricks se apresenta em São Paulo

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Por Agencia Estado
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A soprano norte-americana Barbara Hendricks, que se apresenta quinta e sábado na Sala São Paulo, ao lado da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob a direção do maestro John Neschling, e no dia 24 no Municipal do Rio - foi surpreendida pela reportagem da Agência Estado em plena rotina diária de dona de casa. "Foi sorte eu ter atendido o telefone: da cozinha, eu não ouço nada", diz ela pelo telefone logo de cara, antes de explicar que estava fazendo o jantar das crianças. "Elas ficam correndo de um lado para o outro e não consigo prestar atenção em mais nada", desabafa. Pela segunda vez no País - esteve aqui em 1995 para um concerto dedicado a Mozart com a Orquestra de Câmara de Praga -, Barbara Hendricks vai interpretar, em São Paulo e no Rio, as Quatro Últimas Canções, de Richard Strauss, compostas em 1946, três anos antes da morte do compositor. "É a música mais bela que ele escreveu e cantá-la é um sonho de toda soprano", afirma ela. A razão está na habilidade do compositor em estabelecer uma perfeita harmonia entre o solista e a orquestra. "O significado das palavras, que tratam da vida e da morte, casa perfeitamente com a orquestração de Strauss: ele sabia como escrever para sopranos". Além da beleza da música, há, na opinião de Barbara, outros significados que fazem da experiência de cantá-la algo tão especial. "É mais do que um prazer cantar essa música, é uma experiência verdadeiramente espiritual cantar peças que são o testamento final da vida de um excelente compositor". A mensagem, em sua opinião, está relacionada com a vida e a morte. "Não é apenas falar da morte ou da vida, mas, sim, de seus verdadeiros significados e da sensação de abandono da vida frente à certeza da morte". É essa mensagem que faz com que ela em suas palavras, nunca se canse de cantar a peça. "As Quatro Últimas Canções estão no meu repertório há 15 anos e, por mais que o tempo passe, é sempre um prazer e um aprendizado cantá-las". No que diz respeito à técnica, a maior dificuldade está em encontrar o fio certo de condução vocal. "Essas canções exigem um tipo de voz quase mozartiano, como, por exemplo, de Kiri Te Kanawa, Elizabeth Schwarzskopf e Lisa DellaCasa, que tinham a voz ideal para este repertório". Dentro do universo de Strauss, Barbara também tem em seu repertório alguns papéis em ópera como o da Condessa, em Capriccio, e Sophie, no Cavaleiro da Rosa. "Vocalmente, eles não diferem das Quatro Últimas Canções: o que muda é que, em ópera, eu preciso relacionar a partitura com a personalidade da personagem, entender quem estou cantando", atesta. Como? "Minha aproximação é em busca da essência da peça: tudo começa com a partitura, de onde eu descubro, a partir da música e da letra, quem é essa pessoa que estou interpretando". Considerada por muitos críticos como uma cantora fria, uma vez que procura sempre ater-se detalhadamente à partitura, Barbara explica que uma coisa não exclui a outra. "Toda personagem tem um obstáculo pessoal a ultrapassar e o cantor deve estar atento a como o compositor demonstrou isso na partitura". Como exemplo, ela cita a personagem Gilda, da ópera Rigoletto, de Giuseppe Verdi. "São dois tipos de escrita diferentes: no início, enquanto ela é jovem, inexperiente, apaixonada, Verdi escreve suas árias de uma maneira diferente da que aparece no terceiro ato, quando a personagem já vê o amor de uma maneira diferente", ressalta. E completa: "Gilda amadurece durante a ópera e Verdi mostra isso na partitura: apenas a maneira de escrever já dá indicações sobre mudanças na vida das personagens". Ciências - "Sempre cantei, desde criancinha, em casa e na igreja de meu pai, mas a idéia de estudar música a sério apareceu de repente em minha vida". Barbara estudava ciência quando, no último ano da faculdade, foi vista cantando e recebeu o convite para ir estudar em Nova York. "Foi tudo muito rápido: um professor entrou em contato com a meio-soprano Jennie Tourel, que na época dava aulas na Julliard School, e fez com que ela me aceitasse como aluna". Apesar das dúvidas, ela terminou os estudos e foi para Nova York, onde aceitou a tarefa de levar a sério os estudos de música. Foi quando conheceu o maestro e compositor Leonard Bernstein, amigo de Jennie Tourel (para alguns biógrafos do maestro, seu relacionamento com Jennie foi conturbado e ela teria sido a razão pela qual ele teria se separado de sua primeira esposa). "A sua energia, seu conhecimento eram incrivelmente contagiantes e eu aprendi muito sobre a música e a vida com ele", lembra. Mas Bernstein não foi o único maestro com quem Barbara desenvolveu um feliz relacionamento artístico. Com Karajan, conhecido por sua capacidade de pôr cantores em seus devidos lugares, ela diz ter aprendido aspectos musicais normalmente deixados de lado por outros maestros. "Ele se preocupava com detalhes, como o colorido musical, o timbre, a dinâmica, característica que, por incrível que pareça, é difícil achar em muitos regentes". Já com o rigoroso maestro italiano Carlo Maria Giulini, o aprendizado foi outro. "Com ele, aprendi a perceber o aspecto espiritual da música, que a aproxima das pessoas: ele me ensinou que a música é algo maior, que pode transcender o material e mexer fundo com as pessoas". É esse tipo de visão que explica, também, seu empenho em causas sociais. Definindo-se como uma ativista dos direitos humanos, Barbara é Embaixadora da Boa Vontade na Alta Comissão Pró-Refugiados da ONU há 13 anos. "Busco, ao cantar, fazer algo que ajude as pessoas a viver, a superar as dificuldades e, para tanto, sei que preciso falar para a alma das pessoas". Para ela, é necessário que as mudanças ocorram dentro de cada pessoa quando se tem a intenção de mudar algo no mundo. "Assim, a música pode lembrar as pessoas de que somos todos parte de uma grande família e devemos agir como tal". Planos - Barbara prefere não fazer planos específicos para sua carreira. Limita-se a dizer que há muito ainda a aprender. Recentemente, interpretou pela primeira vez Tatiana, da ópera Euvgeny Oneguin, de Tchaikovski. "Quero voltar a fazer Tatiana, pois amo a música e estou encantada com a personagem e, além disso, demorou muito para que ela fizesse parte de mim e quero fazê-la mais uma vez logo para que fique mais forte sua idéia na minha cabeça". Em seus planos está, também, a intenção de passar mais tempo com sua família. "Quero ter tempo para reunir meus amigos e minha família no jardim de minha casa", conta. E, como Strauss, nas Quatro Últimas Canções, ela não tem medo de ter de abandonar sua carreira. "Não será muito difícil, pois sei que há um tempo para tudo na vida de uma pessoa".

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