Bar traz blues, carros antigos e o charme dos trens

Montado em um beco sem saída da Água Branca, o Gaz Burning se torna lugar ímpar também por sua localização

PUBLICIDADE

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

É preciso esperar que o trem passe e as cancelas sejam erguidas antes de seguir em frente pela Avenida Santa Marina, uma via longa e irregular aberta entre a Água Branca, a Barra Funda e a Lapa que não parece ter sentido as perturbações do tempo nos últimos cem anos. Santa ou não, Marina Aranha acabou sendo homenageada pela Prefeitura de São Paulo por ser filha do conselheiro Antonio da Silva Prado, presidente da Vidraria Santa Marina e homem que abriu as porteiras do bairro para convencer até a família Matarazzo a levar parte de seu império para a região. À noite, ela, a avenida, vai adormecendo a cada quarteirão até que os trilhos sejam atravessados, uma pequena praça seja contornada e o som de uma gaita, de uma banda ou de alguém cantando Hoochie Coochie Man ecoe de um beco onde a Avenida Santa Marina pode se tornar, inesperadamente, New Orleans. Não havia nada ali até um ano atrás, quando dois amigos amantes de rock and roll, motos e carros antigos desafiaram as incertezas sanitárias do planeta e decidiram transformar as estruturas de uma casa antiga, lá da década de 1920, em um lugar de rock, blues e rockabilly. Seu nome é Gaz Burning, um legítimo “bar custom”, com laterais de carros decorando paredes, lanches batizados com o nome de velhos automóveis como TL, Dodge e Fairlane e tudo mais respirando cultura vintage. Seria, então, mais um bar afetivo de São Paulo se não fosse algo complementar que não parece ter sido pensado nem pelo dono: o entorno.

Gaz Burning: rock, blues, carros na parede e o barulho dos trens Foto: Alex Silva/Estadão

As bandas tocam dentro do bar voltadas para a rua, em frente às pessoas acomodadas em mesas colocadas na via. Enquanto isso passam os trens de dois ramais que circundam a casa. Não são barulhentos, mas o baterista e quem está no banheiro podem sentir a trepidação – um charme de fazer inveja aos bares de New Orleans. Bem, trens são para o blues o que os morros são para o samba.  Além disso, a via sem saída – a Santa Marina termina no muro que guarda os trilhos do trem – e a falta de vizinhos permite que o espaço seja usado sem estresse com moradores. Encontros de carros antigos e shows de rock podem começar nas tardes de sábado e seguir pela noite. O blues tem um dia próprio, às quintas, comandado pelo gaitista, cantor e ativista do blues Edu Dias. Sem ter mais o sócio com quem iniciou a casa há um ano, Rodrigo Veri, 40 anos, comanda o lugar com a leveza de quem acreditou no acaso. Ele se reunia com amigos amantes de carros e motos antigas em uma garagem ao lado, com churrascos às terças. “A gente definiu então que teríamos que fazer o bar naquele lugar.” Alugaram a casa antiga. “Era para receber amigos, algo bem despretensioso.” Rodrigo começou seu caso com antigos aos 19 anos, ao comprar um Opala. Hoje, tem um Galaxie 76 e um Fairlaine 77.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.