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Baixista cubano lança álbum de estréia aos 68 anos

Após 51 anos de carreira Orlando "Cachaíto" López grava seu primeiro álbum. "Não sonhava mais com isso", diz López, um dos motores do Buena Vista Social Club

Por Agencia Estado
Atualização:

Em Nova York esta semana para o lançamento de Cachaíto (Warner Music/Nonesuch), seu espantoso disco de estréia, aos 68 anos, o baixista cubano Orlando "Cachaíto" López falou à reportagem. Ele (e mais o pianista Rubén Gonzalez) é o motor musical do grupo cubano Buena Vista Social Club, assim como Ibrahim Ferrer, Omara Portuondo e Compay Segundo fazem a combustão rítmica. Há muitas histórias e versões sobre a mítica saga dos López em Cuba, uma linhagem de tocadores de contrabaixo que - já chegaram a jurar - seriam em número de cem. "Diga a verdade, senhor Cachaíto: quantos baixistas há em sua família?", pergunta o repórter. "Temos muitos, senhor, perdemos a conta", diz o lendário baixista. "Eu creio que, comigo, somos 29, mas me contaram que temos sete sobrinhos aprendendo baixo", lembra. É uma tradição quase religiosa de família, mas não é nem de leve uma tradição conservadora. Basta ouvir apenas uma das faixas de Cachaíto para saber que Orlando López não está para brincadeira. Cachaíto in Laboratory abre com a voz de um mestre-de-cerimônias anunciando o baixista, com a alquimia do DJ francês Dee Nasty, pioneiro do hip hop, fazendo seu número de turntablist. Outros convidados do CD de estréia do veterano músico, jóia da música da ilha, são ainda menos ortodoxos: o jamaicano Cliffon "Bigga" Morrison, o saxofonista funkeiro Pee Wee Ellis e os notáveis cubanos Juan de Marcos González (violonista e tocador de tres), Ibrahim Ferrer, Angá Díaz (percussionista do Irakere e da orquestra de Tito Puente). Entre os músicos do disco, uma participação in memoriam: a do violonista Pedro Depestre, morto no palco recentemente na Europa, aos 56 anos. Com essa idade, não seria Depestre um novato perto dos veteranos do Buena Vista? "Nós todos fazemos a mesma música, não há nova, não há velha", diz o percussionista de Cachaíto, Angá Díaz, um dos músicos que Cachaíto dispõe na sua conference call para ajudá-lo na empreitada de atender a imprensa via satélite. O baixista é tímido, explicam os executivos de sua gravadora. "Não há nova trova, assim como não há velha trova em Cuba", afirma o incisivo percussionista Díaz, desmontando outra tese do interlocutor. "A trova é como o blues, é sempre a mesma; é um pensamento, é o que tu queres dizer", ressalta. Cachaíto volta após alguns minutos para falar de suas influências. Será que sente que tem mais influência do pai, Orestes, ou do tio famoso, Israel "Cachao" Lopez, de quem herdou o apelido? "Tenho muita influência dos dois", conta. "Meu pai tocava e charangueava muito bem, o que me deu técnica; e meu tio tocava baixo e também piano, explorando uma cadência particular." E quanto ao americano Charlie Mingus? "Eu era muito fã de Mingus, conheço quase todas as suas composições", lembra, acrescentando que o que o mais atraía no americano era o som que extraía do baixo. "Cada músico tem o seu som, que é algo muito particular, e eu gostava do som de Mingus." Cachaíto não fala sobre a inclusão de um DJ em seu disco um tipo de experiência que pode ser considerada falsamente modernizante pela crítica mais conservadora. Quem fala é Angá Díaz. "O laboratório de Cachaíto é algo que se refere mais à experiência química, de análise", diz o percussionista. "É uma maneira de situar o trabalho em nossa época, mas isso não muda o pensamento - é apenas um jeito de trazer o pensamento para outro aspecto da vida que todo mundo está buscando", teoriza. De fato, Cachaíto é uma espécie de liquidificador musical que tem representado a fusão mais genuína da música erudita com o jazz e com as raízes da música cubana. Sua incursão agora pelos dubs do reggae e pela cultura dos DJs não é exatamente uma surpresa. Mas o fato de ele ter gravado seu primeiro disco-solo, após 51 anos de carreira, é um assombro. "Não sonhava mais com isso", diz o baixista. "Gravei com todos os grupos bons nos quais eu trabalhei, mas ter feito esse disco me deixou muito feliz", declara. Mais ainda à crítica: após turnê de lançamento pela Europa, terminada há poucos dias, o crítico Richard Robert, da publicação francesa Les Inrockuptibles escreveu que "esse coquetel afro-cubano, de jazz, de dub e de soul soa magistralmente e nos purga das tristes experiências que nos têm infligido esses pequenos mestres do sampling e do tchacapoum". E quanto ao Brasil, señor Cachaíto? Temos alguma chance de ver essa espantosa orquestra em nossos teatros? Quem responde, de novo, é o sagaz Angá Díaz. "Sim, o Brasil nos interessa muito, assim como cada recanto desse mundo, porque nós somos como ciganos", ele diz. "Qual a chance que nós temos de tocar com Milton Nascimento?", ele responde, numa contra-ofensiva provocatória. "Acho que o Brasil e Cuba têm muito em comum na música, principalmente na Bahia", diz Cachaíto. "É muito claro que a África chegou às ruas de Cuba e da Bahia e estabeleceu ali sua dança, seu ritmo", ele diz. Orlando "Cachaíto" Lopez nasceu em Havana em 1933. Sua biografia oficial conta que a primeira coisa da qual se lembra é ele carregando as partituras de seu pai para as sessões de rádio da Sinfônica de Havana. Ele diz que jamais considerou fazer outra coisa na vida que não tocar o contrabaixo acústico. O disco Cachaíto não é só o devido referendo de toda uma vida dedicada à mais pura expressão musical cubana, mas principalmente um atestado da qualidade da música de invenção de Orlando López, um cavalheiro cubano.

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