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Até a distante Nova Zelândia quer o Zimbo Trio

Em fase de reconhecimento pela nova geração, o grupo de maior longevidade da MPB grava com a cantora Hollie Smith

Por Agencia Estado
Atualização:

Hollie Smith é uma jovem cantora popular na Nova Zelândia. Começou a carreira cantando música celta, depois migrou para o soul. Nesta semana, em São Paulo, ela acrescentou um feito inusitado a seu currículo, depois de tomar umas aulinhas de suingue com os titulares do ritmo: o Zimbo Trio. O encontro da cantora com o grupo, na gravação de uma canção inédita dela, Sampa Soul, faz parte do projeto de intercâmbio OE: Brazil, (o O da sigla significa "overseas" e o E pode ser "experience", "exchange" ou "experiment") e reúne artistas neozelandeses e brasileiros, a maioria paulistas. Produzido por Matthew Chicoine, mais conhecido como DJ Recloose, o projeto vai resultar em CD e DVD que serão lançados pelo selo neozelandês Loop Recordings. O veterano Zimbo Trio - atualmente formado pelo pianista Amilton Godoy (de 65 anos), o baterista Rubens Barsotti (73) e o baixista Itamar Collaço (48) - se destaca como referência obrigatória entre os outros mais jovens artistas escolhidos para o projeto: Apollo Nove, BiD, o pessoal do Instituto, Clube do Balanço, Funk Como le Gusta, Bossacucanova, Barbatuques. Ao mesmo tempo em que o suingue classudo do Zimbo está de alguma maneira embutido na fórmula desses novos expoentes, os próprios mestres se renovaram sem precisar recorrer a nenhum recurso externo. As evidências, para quem quiser constatar, estão nítidas no excelente show que o trio vem fazendo no Tom Jazz às quintas-feiras. Estavam previstas apenas duas apresentações no fim do ano passado. Agora, a temporada se estica por mais este mês e deve prosseguir. Até setembro, o trio grava um CD pela gravadora Eldorado, provavelmente ao vivo, no próprio Tom Jazz. Para o ano que vem, há o projeto de um DVD. ?A gente começou a ganhar vida nova com as próprias músicas?, avalia Godoy. ?Os novos arranjos estão indo por um caminho mais solto, muito mais livre. Todo mundo está saindo do palco e sentindo que tocou. Acho que isso é recíproco, porque o público vem percebendo isso, e nós sentimos a reciprocidade que vem do público. Todas as apresentações que fizemos do ano passado pra cá, acho que sem exceção, foram com teatro lotado.? Redescoberta associada a teatros Rubinho associa essa retomada de popularidade ao fato de eles terem voltado a tocar em teatros. ?Temos sido muito convidados para participar de festivais, o que não fazíamos havia muito tempo. E também temos ido a lugares em que nunca fomos antes?, diz. Essa redescoberta do Zimbo coincide com uma onda (internacional inclusive) de interesse por parte do público mais jovem pelo samba-jazz, dos quais eles são patrimônio vivo, com o relançamento de discos raros e clássicos do gênero. ?Acho que isso é cíclico também. Talvez tenha despertado nas pessoas o interesse em participar de algo que elas não viveram. E quem não conhece começa a gostar.? Há provas concretas disso, quando se vê um Teatro Municipal lotado (como ocorreu em maio na Virada Cultural) numa euforia que surpreendeu até os próprios músicos. Ou em Buenos Aires, onde até o dono do teatro chorou de emoção, contam eles. ?As pessoas ficam surpresas, vêm dizer que parece que da maneira como tocamos as coisas são todas novidades outra vez?, conta Amilton. Nesses 42 anos de atividades ininterruptas, o trio deixou sua marca em trabalhos de Elis Regina, Elizeth Cardoso, Wilson Simonal, entre outros do primeiro time. Um dos projetos mais marcantes do Zimbo foi o show realizado em 1968 no Teatro João Caetano (MIS), no Rio, ao lado de Elizeth, Jacob do Bandolim e o conjunto Época de Ouro. Dirigido por Hermínio Bello de Carvalho, o show histórico foi lançado em dois LPs. A reedição em CD, de 2004, pela Biscoito Fino inclui Ponteio (Edu Lobo/Capinam) e Canção do Sal (Milton Nascimento), com o Zimbo, cortadas do álbum original. ?O que fazemos hoje é só uma continuidade. Vários músicos entraram no nosso caminho, gravamos com orquestras de cordas, de metais. Então teve uma pluralidade de caminhos que fez um todo?, avalia Rubinho. Como funciona para dar certo tanto tempo assim? Antes de tudo, dizem os dois, ?é o respeito de um pelo outro?. No palco, a ausência de vaidade e o entendimento mútuo contribuem para a linguagem fluente. O repertório de temas inéditos e clássicos sempre renovados por arranjos eternamente modernos confere o toque de atemporalidade. Substituto plenamente integrado Perfeitamente integrado ao estilo do grupo há cinco anos, Itamar Collaço diz que ?é uma honra? estar no lugar que já foi de Luiz Chaves. O lendário baixista decidiu sair do Zimbo em 2001 por motivos que só mais tarde os outros entenderiam. ?Ele começou a ter uma conduta estranha, que não era do comportamento dele?, lembra Amilton. Começava ali um processo de desligamento, conseqüência do mal de Alzheimer. ?Só depois de sabermos disso é que a atitude dele fez sentido para nós. Tínhamos assinado contratos para shows internacionais e ficamos sabendo da saída dele do grupo só através da imprensa. Ele não nos disse nada?, conta Amilton. Sem possibilidade de recuperação, Chaves permanece há anos internado num hospital no Morumbi. Para sorte dos remanescentes, nenhum dos shows contratados foi cancelado por conta da saída do baixista, que decidiu formar outro grupo e uma escola de música nos moldes do conceituado Clam (leia abaixo), do qual pediu para se afastar. Mas seus projetos não vingaram. ?Pensamos em acabar com o Zimbo, mas Rubinho, que foi quem fundou o trio, achou que ainda tínhamos um caminho pela frente.? Itamar Collaço já estava na lista de possíveis substitutos. ?Conhecíamos o trabalho dele e achávamos que daria certo.? E deu mesmo, como se pode comprovar. Estilo que faz escola desde 1964 O projeto do Zimbo começou numa estação de esqui em Portillo, no Chile, onde Rubinho passou três meses de 1963 com o baixista Luiz Chaves, o cantor Dave Gordon e o pianista Fred Feld. ?Era o hotel e neve?, lembra Rubinho. E muito tédio. ?Falei que se quando chegasse em São Paulo não conseguisse formar um grupo digno de música, parava de tocar?, lembra. Um dia uma pena de pássaro (que ele conserva até hoje na carteira) caiu do teto do restaurante diretamente no bolso da camisa de Rubinho. ?Aquilo para mim foi o batismo.? Na chegada a São Paulo, ele e Chaves faziam temporada na extinta casa de shows Baiúca, quando certa noite faltou o pianista. Amilton, que era músico erudito, se preparava para participar do Quarto Concurso Eldorado de Piano e tinha participado do disco-solo Chaves, e foi prontamente lembrado. Entrosados e com um projeto de grupo, eles primeiro pararam de tocar na noite. O nome foi escolhido depois de uma consulta a um dicionário de cultura afro-brasileira. ?Como a proposta era não ter nome pessoal, fomos buscar no dicionário. Fomos para a biblioteca da Consolação (Mário de Andrade) e pegamos um dicionário afro-brasileiro?, lembra Rubinho. Tinha jongo e tinha jimbo. Jongo virou nome de outro trio histórico, apadrinhado por eles. ?Depois uma determinada pessoa, um ser, falou pra nós que jimbo era a maneira caipira de falar zimbo. Vingou zimbo, que significa sucesso, bem-aventurança?, diz Rubinho. ?Foi tirada com esse sentido, foi trazida aqui pelos negros, que é a maior influência rítmica que nós temos. Então, tudo se encaixou. Ficou um nome brasileiro, que não tem tradução em lugar nenhum, e não é pessoal de ninguém?, completa Amilton. Grupo lançou primeiro álbum em 1964 Em 1964, eles lançaram o primeiro álbum; no ano seguinte tornaram-se os acompanhantes fixos do programa O Fino da Bossa, da TV Record, comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, com retumbante sucesso. Um dos melhores títulos da discografia da cantora daquele período é O Fino do Fino, que dividiu como trio. Em conseqüência dos muitos pedidos de aulas particulares que o Zimbo recebia, nasceu a idéia de criar o Clam (Centro Livre de Aprendizagem Musical), que Amilton e Rubinho dirigem desde 1973. Com 40 pianos, entre diversos outros instrumentos, 26 professores e atualmente com 240 alunos, o Clam forma músicos a partir dos 3 anos. "Essa é a escola que gostaríamos de ter tido quando tínhamos a idade dessas crianças", diz Amilton. "Naquela época o máximo que a gente conseguia era tocar na fanfarra, que era muito ruim", lembra, bem-humorado. Há seis anos os músicos também mantém o projeto Saúde em Concerto, em parceria com Dulce Auriemo, levando alunos e professores do Clam para tocar aos domingos nas seis unidades do laboratório Delboni Auriemo. ?Todo mundo é supervisionado, nós é que escolhemos o repertório?, conta Amilton. ?Esses têm sidos os primeiros palcos de muitos alunos.? As influências do Zimbo Trio sobre novos músicos é notável, mas eles preferem não identificar seguidores ou discípulos. Até porque está na base do método dinâmico criado por eles no bem equipado Clam, o conceito de ?seja você mesmo?. ?A gente vê pelos próprios alunos que tivemos. Eles foram de alguma forma influenciados por nós, motivados por nós, aprenderam com a gente, mas vejo por exemplo, Eliane Elias tocar, é a Eliane Elias. Ulisses Rocha, Chico César, cada um deles tem uma marca?, diz Amilton. ?Sempre procuramos dar conhecimento para que desenvolvessem o caminho musical deles. A terminologia musical, a linguagem, a noção de tudo que a música tem de valor e de escrita, mas ninguém nunca interferiu na proposta musical. Acho que isso é que é bacana.? Zimbo Trio - Tom Jazz. Av. Angélica, 2.331, 3255-3635. 5.ª, 22h. R$ 40. Até 27/7 Clam. Avenida Agami, 333, Moema. Tel.: 11 - 5051-5158

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