Arcade Fire retoma fixações em novo disco 'We'

Banda volta com composições sobre complicações dos tempos modernos, como a ansiedade

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Por Lindsay Zoladz
Atualização:

A duradoura ansiedade do Arcade Fire

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O Arcade Fire sempre soou ao mesmo tempo representativo e desafiadoramente fora de sintonia com sua própria época. É fácil encaixar o grupo na estética da chamada New Sincerity, uma ideologia pós-Onze de Setembro que rejeitou o abraço da microgeração anterior ao cinismo hip e à ironia pós-moderna. O Arcade Fire se importava com as coisas, por definição. Dormência e tédio eram seus bicho-papões. Ao longo de sua primeira década, a banda canadense lançou uma série de álbuns conceituais que miraram opiáceos das massas – a religião organizada em ‘Neon Bible’, de 2007, a vida conformista em ‘The Suburbs’, de 2010.

Ainda assim, havia algo nostálgico no grupo – não necessariamente uma coisa ruim. O Arcade Fire esteve na sua melhor forma quando tentava perfurar a mitologia herdada de meados do século passado. Mas nunca foi tão bem sucedido quando mudou seu olhar para o presente e começou a se enfurecer contra as máquinas, primeiro em seu ambicioso álbum de 2013, ‘Reflektor’, e depois na sua sequência menos inspirada, ‘Everything Now’, de 2017.

A banda Arcade Fire durante a apresentação no festival Lollapalooza de 2014 Foto: Rafael Arbex/Estadão

É por isso que é lamentável que a banda redobre essa aposta em grande parte de seu sexto álbum, ‘We’, um LP que deseja ser visto como uma correção de curso, mas ainda compartilha muitas das fixações temáticas de seu antecessor. Estamos vivendo uma era de ansiedade e fim de um império, pelo menos é o que nos lembram canções com títulos grandiosos e explicativos como, bom, ‘Age of Anxiety I’ e ‘End of the Empire I-IV’. A primeira é uma faixa com backing vocals rítmicos que ficam bufando rápido, como se nunca conseguissem recuperar o fôlego. A suíte de nove minutos e várias partes ‘End of the Empire’ tem algumas reviravoltas deliciosas, mas, em última análise, é meio vaga, tentando canalizar o tipo de visão modernizada do apocalipse iminente que artistas como Phoebe Bridgers (‘I Know the End’) e Lana Del Rey (‘The Greatest’) fizeram de um jeito bem mais nítido e sucinto.

‘Age of Anxiety II (Rabbit Hole)’ tem alguns momentos musicais deslumbrantes, como quando uma linha de sintetizador pensativa de repente explode numa espécie de irmã gêmea maligna de ‘Bizarre Love Triangle’ do New Order. Win Butler e Régine Chassagne coproduziram ‘We’ com Nigel Godrich, conhecido por seu trabalho com o Radiohead, e sua colaboração deixa o material mais pop.

Mas tem algumas letras cabeçudas que acabam tirando o ouvinte do que deveria ser um momento de êxtase. A faixa mais cativante e otimista de ‘We’ é ‘Unconditional II (Race and Religion)’, uma joia pop dos anos 80 cantada por Chassagne, com backing vocals de Peter Gabriel. A batida e a linha melódica são hipnóticas, mas a música é construída em torno do verso “I’ll be your race and religion” [Serei sua raça e religião] – uma declaração pesada e carregada (ou talvez só estranha) que nunca faz o ouvinte querer cantar junto.

Além do galvanizante single principal, ‘The Lightning I, II’, que muitos anunciaram como um retorno à forma, a banda soa mais confortável nas músicas de ‘We’ que falam um idioma folk-rock, como a discreta faixa-título. A doce e divertida ‘Unconditional I (Lookout Kid)’ se dirige ao filho de 9 anos de Butler e Chassagne, transmitindo a ele lições de vida duramente conquistadas e refletindo sobre os limites da criação. Um rock de parentalidade atenciosa, digamos assim. “Há coisas que você pode fazer que ninguém mais na terra pode fazer”, Butler canta com todo o afeto, “Mas eu não posso te ensinar”.

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O antídoto para a era da ansiedade que este disco propõe é relativamente simples: sair do mundo plano e despersonalizante da toca do coelho digital e reinvestir na conexão pessoal da vida real. “Eu quero loucura, eu quero ficar livre”, Butler canta na suave faixa final, acompanhada por um violão de 12 cordas com timbres pastorais. “Você quer sair daqui e dar uma volta comigo?”. Mas as apostas parecem meio baixas, porque não sei se eles jamais estiveram dentro.

A maior parte da arte contemporânea mais potente sobre a agonia e o êxtase cada vez menor de ficar muito online – o brilhante romance de Patricia Lockwood No One Is Talking About This, por exemplo – vem falando a linguagem da internet vividamente, com uma especificidade que sugere que seus autores não estão inteiramente à parte da cultura que tentam criticar – e é precisamente isso que deixa seus eventuais protestos mais palatáveis. As representações do Arcade Fire de nossa tecno-distopia, porém, parecem mais distantes e difusas.

“Vou cancelar a assinatura”, Butler canta repetidas vezes ao longo de ‘End of the Empire’, e Chassagne sublinha com seus backing vocals até esgotar a inteligência fugaz do verso. Mas do que, exatamente, eles estão abrindo mão? Apesar de seus ocasionais momentos de brilho, ‘We’ muitas vezes encontra um Arcade Fire preso no seu próprio labirinto digital, ignorando o fato de que sempre soou mais em casa quando esteve de fora.

Arcade Fire – ‘We’ (Columbia)

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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