Após cinco anos, Dylan retorna com inédito "Modern Times"

Há pelo menos umas quatro obras-primas no disco furiosamente harmônico e melódico, além de grandes achados, como "The Levee?s Gonna Break"

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Primeiro álbum de novas canções de Bob Dylan em cinco anos, chega às lojas "Modern Times" (Sony-BMG). Bob Dylan não é só um cantor, é um dos mais importantes e completos artistas do século passado, um farol no meio do oceano guiando pescadores na tormenta. Não há uma canção chamada "Modern Times" no disco. É o primeiro mistério: o que permitiu a Dylan escolher esse título? Ele poderia estar aludindo ao filme de Chaplin de 1936, ao nome de discos pregressos do Jefferson Starship e de Al Stewart, a uma comunidade anarquista de Nova York no século 19. Óbvio, Dylan usa o termo como uma ironia, inclusive zombando de si mesmo - em geral, velhinhos nostálgicos costumam maldizer os "tempos modernos", praguejando contra as contradições do progresso e da tecnologia. Assim, é sintomático que Bob abra o disco com um rock?n?roll sarcástico que, enquanto evoca Johnny B. Goode, de Chuck Berry, "pragueja" discretamente contra uma das estrelas da canção dos tempos modernos, a cantora de R&B Alicia Keys. É a canção "Thunder on the Mountain". O "velhinho" fala de como, quando ela nascia em Hell?s Kitchen, ele já estava cruzando o cabo da Boa Esperança da vida. "Fiz o que pude, e fiz tudo certinho", ele canta. A segunda, jazzística, violão metálico ao fundo, parece saída de um filme de Woody Allen. É "Spirit on the Water", e parece um manifesto de atrasado romantismo, mas aí ele dispara: "Não posso mais ir para o Paraíso/eu matei um homem lá", com uma gaita limpa e a voz clara. O blues country "Rollin? and Tumblin?" paira sob doces duelos de guitarra, evocando os perdidos anos 50, dos quais Dylan nunca demonstrou ter saudade. "Alguma jovem puta vadia esvaziou meus miolos", esbraveja o bardo, mas de um jeito lânguido, displicente, de falso conformado. Em tom de gospel, "When the Deal Goes Down" parece uma oração pagã improvisada em meio às ruínas de uma civilização morta. Com versos de grande precisão e simplicidade: "We eat and we drink, we feel and we think /Far down the street we stray /I laugh and I cry and I´m haunted by". Furiosamente harmônico e melódico, "Modern Times" é o disco de um artista que esgrime contra o seu tempo, mas não por odiá-lo, senão pela ternura infinita que sente pelo humano e pelos sentimentos. Há pelo menos umas quatro obras-primas no disco, além de grandes achados, como "The Levee?s Gonna Break", cover de clássico blues de Memphis Minnie. O caubói Dylan tinha crédito na quitanda, e ainda assim trouxe mais ouro para pagar a farinha.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.