Aos 21, Yamandú Costa é o mascote do Free Jazz

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Por Agencia Estado
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No primeiro semestre, o violonista gaúcho Yamandú Costa foi o vencedor do 4º Prêmio Visa de MPB - Edição Instrumental. Escolhido tanto pelo júri formal quanto pelo público que assistiu à impressionante performance no palco da Tom Brasil. Na sexta-feira, no Rio, e no sábado, em São Paulo Yamandú é atração do Free Jazz Festival. Vai tocar sozinho. Ele e seu violão. Vai tocar músicas próprias e clássicos do repertório violonístico nacional. Vai tocar tangos, vaneirões, chamamés - músicas do Rio Grande do Sul e dos países da fronteira, que cresceu ouvindo e tocando. Os ingressos estão esgotados. Yamandú abre as duas apresentações. Seguem-se o quinteto de Randy Weston e o sexteto de Benny Golson, num tributo a Art Blakey e aos Jazz Messengers. As outras atrações brasileiras são os DJ´s Patife, Felipe Venâncio e Mau-Mau, representando a música eletrônica; o DJ Dolores, com a Orquestra Santa Massa, que combina o eletrônico com a música pernambucana; o grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado, que trabalha com a tradição de música, teatro e dança da terra; os paulistanos Funk Como Le Gusta e Curupira; e uma reunião de artistas que homenageará o saxofonista e compositor Moacir Santos. Yamandú é o mais jovem da turma. Fez 21 anos em janeiro. Baden Powell o ouviu tocando quando tinha 16. Disse-lhe: "Você vai ser grande, você vai ser importante, sua música tem muito a fazer pela música brasileira." O menino escutou projeções semelhantes de muitos outros grandes músicos. E o público, crescente, já o trata como ídolo. Sem que ele tenha um disco lançado. Ou melhor, tem um, lançado em dupla com o violonista argentino Lúcio Yanel, um de seus mestres, durante infância e parte da adolescência. Mas o disco saiu por um selo regional gaúcho, o Acit, que não tem distribuição nacional. E tem um, já pronto, com previsão de lançamento para dezembro, pela gravadora Eldorado. O CD, que se chama simplesmente Yamandú Costa, é parte do prêmio a que fez jus como vencedor do Visa. Foi produzido por e tem arranjos de Maurício Carrilho. Traz seis músicas de Yamandú - que, assim, passa a mostrar as qualidades de compositor - e outras sete alheias: de folclore gaúcho a choros da grande tradição. No palco, Yamandú Costa é uma explosão vibrante de musicalidade, habilidade, sensibilidade. Toca com o corpo todo - balançando as pernas, vestidas sempre com bombachas, com os cabelos, que traz compridos, com a expressão facial, os olhos arregalando-se ou crispando-se. Eventualmente, é apontado como "o novo Raphael Rabello". Não se incomoda com a comparação, embora ache que não proceda. "As pessoas precisam de parâmetros. Vão-se perguntar: ´Quem é aquele gordinho que toca violão´ - e alguém responderá que é um músico novo, como o Raphael Rabello. Mas eu cresci tocando vaneirão, ele tocando choro. Um dia perceberão que não há nada em comum, a não ser o instrumento e o fato de o usarmos como arma em defesa da cultura." Yamandú é rigorosamente original. Temas conhecidos de dezenas de gravações por grandes astros cintilam de novidade em seus dedos. Sua abordagem de Brejeiro, de Nazaré, na final do Prêmio Visa, fez rir e trouxe lágrimas aos olhos do público. Seu Trenzinho do Caipira era um trem-bala cortando a terra sertaneja - e assimilando-lhe as vozes num projeção para o futuro. Yamandú Costa é um gênio. O convite para o Free Jazz apenas lhe faz justiça. Berço musical - Yamandú Costa passou a maior parte dos 21 anos no palco. O pai, Algacir Costa, era sanfoneiro, violonista, trompetista, poeta, músico profissional. A mãe, Clari, era filha de um gaiteiro ? também chofer de táxi ?, com quem cantava, profissionalmente, Algacir e Clari conheceram-se num show dela. Paixão, casamento. Dois filhos ? o mais velho não quis saber de música. O segundo foi Yamandú. Casados, Algacir e Clari formaram um conjunto, Os Fronteiriços, que durou 20 anos. Tocavam música regional e coisas da fronteira. ?Fui criado nesse mundo?, conta Yamandú. Nossa vida era modesta, não tinha essa coisa de babá. Meus pais iam fazer baile e me levavam embrulhados num pelego, aquele abrigo de pele de carneiro, quentinho.? Quando Yamandú tinha 4 anos, um amigo do pai disse a ele: ?Vamos fazer uma supresa para o Algacir. Você ouve essa música aqui, aprende e canta para ele.? E levou o menino para o bar La Puperia, em Passo Fundo (cidade natal do futuro violonista), ponto de encontro dos participantes do movimento nativista gaúcho, que defende as tradições do Rio Grande do Sul. ?Eu virei o mascote do grupo?, conta Yamandú. ?Inventava umas coreografias, todo mundo achava engraçadinho.? Mas ele foi crescendo e a coisa da criança cantante foi perdendo a graça. ?Aí, parti para o violão?, diz. Tinha 6 anos e, com a imensa facilidade característica, aprendeu tudo muito depressa. Ainda que sob a vigilância do pai: ?Ele era muito exigente. Ensinou-me a ler a escrita musical e cobrava a leitura. Nos aniversários, em vez de brinquedos, eu ganhava métodos de solfejo ? o que nem sempre me agradava.? Mas o pai sabia o que estava fazendo. Aqueles primeiros anos de estudo tornaram artista o menino promissor. ?Passei pela guitarra, usei palheta e, ao mesmo tempo, meu pai me ensinava choros, embora a praia dele fossem as músicas regionais. Quando Os Fronteiriços acabou, formei uma dupla de violões com ele. Na época, eu tinha 11 anos.? A grande influência, então, depois do pai, foi o violonista argentino Lúcio Yanel. ?Eu o imitava, tocava imitando-o. Naquela época, Baden Powell e Raphael Rabello não existiam, para mim. Nunca havia ouvido falar neles. Tudo o que eu fazia era em cima da música folclórica, da polca paraguaia, da canção argentina.? Yamandú, que hoje dedica boa parte da obra ? como intérprete ou autor ? ao choro, não conheceu, pessoalmente, Raphael Rabello. Ganhou um disco dele ? Relendo Dilermando Reis ?, em 1995, quando o músico carioca já havia morrido. ?Eu ouvi o disco e comecei a tocar aquelas músicas. No ano seguinte, conheci pessoalmente o Baden Powell, que me convidou para abrir um show seu, em Porto Alegre.? Pouco depois, o rabequeiro Zé Gomes o trouxe para uma série de shows em São Paulo. Era 1998. Yamandú juntou o dinheiro dos cachês e resolveu ficar na cidade grande. Conheceu músicos, abriu horizonte, correu os riscos, venceu. Mora hoje no Rio, toca no Brasil inteiro e em breve o mundo o conhecerá. Já se ouvem os aplausos.

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