Análise: nos anos 1990, o Skank mostrou como o pop-rock brasileiro poderia ser

Entre 1992 e 1996, o Skank foi Zé Ramalho, os Paralamas, RPM, Picassos Falsos, dancehall, mangue beat e tropicalismo. E sinalizou tudo o que o pop-rock brasileiro poderia ter sido.

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Por Ricardo Alexandre
Atualização:

Há certo curto-circuito mental no fato de que os três primeiros álbuns do Skank estejam sendo celebrados como peças de nostalgia. Menos pela surpresa incontornável de que o tempo voa, e mais porque Skank (de 1992), Calango (de 1994) e O Samba Poconé (de 1996) representam o último momento em que o pop-rock brasileiro dialogou com o grande público nacional. E isso, a gente vê agora, faz um tempo danado.

Skank, em 1995 Foto: Fernando Sampaio / Estadão – 27/3/1995

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Por “pop-rock brasileiro” vamos ficar com a definição de uma música de pretensões e inspirações internacionais, com certo código de conduta mais ou menos contracultural, feito para falar primeiramente ao público dos 26 Estados da federação brasileira. E o Skank fez isso muito bem, e nunca tão bem como nesses três primeiros discos.

Os valores eram os seguintes: avançar de onde o rock brasileiro dos anos 80 havia parado e aprofundar tanto o discurso da identidade nacional quanto o nível técnico global. Os três primeiros álbuns do Skank são sobre isso, da busca um tanto desajeitada e espontânea de O Homem Q Sabia Demais e In(dig)nação até o padrão state-of-art multicultural e suculento de Garota Nacional e É Uma Partida de Futebol, passando por aquele momento mágico em que o pop perfeito acontece em Te Ver, Amolação e Pacato Cidadão. (E, caramba, Garota Nacional soa tão poderosa e impressionante quanto soava em 1996.)

A “turma de 94” ainda está por ser descoberta como o melhor momento do rock brasileiro, em pé de igualdade com a virada com o pós-tropicalismo que começa nos Mutantes e termina em Raul Seixas. Não por acaso, foram dois períodos em que conseguimos decodificar tudo o que acontecia à nossa volta e remontar as peças com um discurso totalmente próprio, como nenhum grunge de Seattle ou hippie de São Francisco poderia se aventurar a fazer.

No documentário Nas Paredes da Pedra Encantada, Lula Côrtes diz que seus sonhos só foram concretizados com o mangue beat. O Skank era Zé Ramalho, era calango, era dancehall e Tropicália, era Alceu Valença, era Paralamas, era Picassos Falsos, era mangue beat, mas era RPM, Lança Perfume, jovem guarda, É Proibido Fumar, e depois de tanto tempo, conseguiu o que ninguém conseguiu: atravessar as décadas e olhar para trás sem nenhuma trapalhada vexatória no currículo, sem barrigadas de decadência, brigas constrangedoras e ainda com hits sendo renovados nas rádios (tudo balada de violão, vamos admitir).

Os Três Primeiros é aquele momento em que o personagem se senta na varanda olhando a plantação todo orgulhoso, mas ao mesmo tempo sabendo que seu patrimônio está muito bem aplicado e rendendo longe dali.

Skank, em 2018 Foto: Gabriela Biló / Estadão

O Skank é filho de um tempo em que ainda discutíamos sobre música, em que uma banda não deveria emprestar sua música para um jingle publicitário, em que acomodar-se no sucesso era a indignidade de apostar no fácil. Vem daí a guinada no início dos anos 2000, quando os metais em brasa foram limados e cresceram as referências aos Beatles, ao Clube da Esquina e ao rock adulto dos discos Maquinarama e Cosmotron.

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Resistiram tanto a fazer um Acústico MTV que MTV acabou (eu sei que a MTV ainda existe, mas você sabe que a MTV acabou) e hoje nem nos lembramos de quem fez ou deixou de fazer Acústicos MTV. 

É esquisito que o Skank que apontou a viabilidade para toda a geração dos anos 1990, tenha atravessado a própria geração, a própria ideia de um “rock brasileiro”, das rádios, da MTV e de ter uma banda com os amigos. Se eles, sendo tão despretensiosos na aparência, conseguiram tudo o que conseguiram, é igualmente irônico que aqueles três discos tão ensolarados e voltados para o futuro funcionem em 2018 como a bem-acabada trilha de um projeto inacabado, o do pop-rock brasileiro. Em toda sua brasilidade, e em toda sua possibilidade. Ricardo Alexandre é jornalista e escritor, autor do livro “Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar” e diretor do documentário “Sem dentes: Banguela Records e a Turma de 94”

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