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Análise: Música de Sérgio Ricardo e uma atriz de gênio

Irmão do lendário Dib Lutfi, ele não foi apenas o homem que criou para Glauber Rocha a trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol

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Por Redação
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Durante muito tempo Sérgio Ricardo carregou a fama de ‘esquentadinho’, por causa daquele violão que jogou no público, num festival da Record. Com o tempo, passou a fazer piada do episódio e certa vez, num show, quando lhe pediram para cantar Beto Bom de Bola, disse que agora tocava piano e não conseguiria jogá-lo em ninguém. Grande Sérgio Ricardo. Irmão do lendário Dib Lutfi, que tinha a mão mais firme do Cinema Novo, ele não foi apenas o homem que criou para Glauber Rocha a trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol.

“Te entrega, Corisco/ Eu não me entrego, não/ Eu não sou passarinho, pra viver lá na prisão/Só me entrego na morte, de parabellum na mão...” Os versos são imortais e na tela Othon Bastos rodopia como o cangaceiro caçado por Antônio das Mortes. São imagens e sons tão fortes que, de alguma forma, ofuscaram o que demais Sérgio Ricardo produziu para o audiovisual. Esse show oferece agora a oportunidade rara de resgatar o Sérgio cineasta. Som no palco e imagem no telão.

Sergio Ricardo no filme 'Uma Noite em 67' Foto: WILSON SANTOS

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Muito já se falou sobre como a trilha de Deus e o Diabo define nossa identidade de brasileiros. O cordel, mais a Bachiana. Sérgio Ricardo e Heitor Villa-Lobos. O que não se fala tanto é nos filmes do próprio Sérgio Ricardo. Seu belo curta O Menino da Calça Branca é de 1961, e três anos mais tarde veio o longa Esse Mundo é Meu, o que significa que, em 1964, Sérgio Ricardo estava assinando a trilha de Glauber e o próprio filme.

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Um neorrealismo. O Menino tem algo da poesia de Couro de Gato, de Joaquim Pedro, de 1960. O menino favelado ganha a calça branca que tenta não sujar. Ele busca os espaços limpos, mas não resiste ao jogo de futebol. Cai no barro, e o sonho se desfaz. Volta derrotado para casa. Esse Mundo é Meu segue dois homens. Antônio Pitanga é engraxate e quer comprar uma bicicleta para nela carregar a mulher que deseja. Como o dinheiro é curto, rouba a bicicleta do padre. O outro é o próprio Sérgio, que também atua. Operário e pobre, perde a mulher num aborto. Revolta-se e lidera os colegas contra o patrão. Esse Mundo é Meu tem uma atriz mítica – Léa Bulcão. Impossível esquecer sua humanidade. A estreia em 1.º de abril, dia seguinte do golpe militar de 31 de março, condenou o filme na bilheteria.

Sérgio Ricardo dirigiu mais dois filmes – Juliana do Amor Perdido e A Noite do Espantalho, em 1968 e 73. Juliana e o sincretismo religioso no litoral paulista. O Espantalho, as cores e sons do Nordeste. Em todos, a câmera de Dib, a trilha também de Sérgio. Música para ver, não apenas ouvir.

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