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Análise: Dona Ivone Lara, a maior compositora do samba e da música brasileira

Nenhuma outra mulher teve tantas vozes cantando suas músicas ou gravadas como ela. Se fosse apenas intérprete, já seria grandiosa pelo charme e carisma com os quais fazia do palco um trono

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Por Julio Maria
Atualização:

RIO – A cantora e compositora Dona Ivone Lara morreu na noite dessa segunda-feira, 16, em decorrência de insuficiência respiratória. Ela estava internada desde a última sexta-feira, 13, no Centro de Tratamento e Terapia Intensiva (CTI) da Coordenação de Emergência Regional (CER), no Leblon, zona sul do Rio. Dona Ivone Lara tinha 97 anos.+ Aos 97 anos, Dona Ivone Lara morre no Rio Dona Ivone Lara foi a maior compositora do samba e da música brasileira. Nenhuma outra mulher teve tantas vozes cantando suas músicas ou gravadas como ela. Se fosse apenas intérprete, já seria grandiosa pelo charme e carisma com os quais fazia do palco um trono. Mas Ivone deixa um monumento erguido como criadora samba após samba, cantados todos os dias em alguma roda do Rio de Janeiro, por algum garoto em Salvador, em algum canto de São Paulo. Sua música se universalizou com rapidez, mas seu formato jamais foi o lugar comum.

Cantora estava internada desde a última sexta-feira, 13, data em que completou 97 anos. Foto: PAULO VITOR/AGENCIA ESTADO/AE - 18/05/2010

O samba de Ivone Lara tinha uma assinatura. A lista não caberia aqui, mas certamente teria como obrigatórios os sambas Alguém me Avisou; Acreditar; Tendência; Mas Quem Disse Que Eu Te Esqueço; Samba, Minha Raiz; Sorriso de Criança; Sorriso Negro; Sonho Meu e Minha Verdade. Em qualquer uma, fica evidente o faro de Ivone pela frase que será entoada para sempre, pelo refrão que o sambista e o folião levariam para casa mesmo depois que a festa acabasse. Gravada por Clara Nunes, Roberto Ribeiro, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paula Toller, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Mariene de Castro, Roberta Sá e Marisa Monte, Ivone sabia como curar a dor de amor, algo que muito provavelmente tem a ver com outra de suas especialidades: a enfermagem.+ Dona Ivone Lara é homenageada na Assembleia Legislativa do Rio Seu nome de batismo era com y, Yvonne da Silva Lara, nascida a 13 de abril de 1921 na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. A mãe era Emerentina Bento da Silva e o pai, José da Silva Lara. Emerentina, costureira, cantava sambas para blocos carnavalescos do Rio de Janeiro. José Lara tocava violão de sete cordas e era integrantes também de blocos, como o Bloco do Africano. Os dois morreram quando ela era muito jovem. Quando fez 12 anos, Ivone já não tinha nem pai nem mãe, mas algo daqueles sambas todos que passou os primeiros anos da vida ouvindo ficariam de alguma forma em sua formação. Ivone Lara estudou enfermagem e especializou-se em terapia ocupacional. Uma função que se dedicou com paixão e a levou a conhecer a doutora Nise da Silveira, a psiquiatra brasileira (morta em 1999) que se dedicou a encontrar formas menos agressivas e desumanas de tratar enfermos mentais nas décadas de 40 e 50. Só quando o samba falou bem mais alto, em 1977, Ivone deixou de trabalhar em hospitais para se dedicar à carreira artística.+ Dona Ivone Lara é tema de mostra em São Paulo A vida de Ivone segue sempre com elementos cinematográficos. Já com um cavaquinho em mãos, que havia aprendido com os pais, Ivone foi ter aulas de canto com ninguém menos do que Lucília Villa-Lobos, mulher do maestro. E quem teve a grata surpresa em ouvi-la cantando sambas? O próprio Villa-Lobos, que a elogiou. Aos 25 anos, casada com Oscar Costa, da comunidade da escola de samba Prazer da Serrinha, Ivone começa a carreira em estúdio. Sobretudo os anos 70 são importantes em sua discografia. Saem na sequência os discos Quem samba fica? (1972), Samba minha verdade, minha raiz (1974), Sorriso de criança (1979), Serra dos meus sonhos dourados (1980) e Sorriso Negro (1980). Seu nome vai ganhando aura de nobreza a cada trabalho mesmo depois de um trágico ano de 1975, quando perde o marido em um acidente de carro (um de seus filhos iria embora em 2008, vítima das complicações de uma diabetes). Além dos trabalhos em estúdio e para escolas de samba (o Império Serrano é seu berço, onde ela desfilava na ala das baianas), Dona Ivone era chamada também para trabalhos em emissoras de TV. Em um deles, interpretou Tia Anastácia para a série Sítio do Pica Pau Amarelo.

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