Análise: A rara musicalidade de Vadim Repin e seu Stradivarius

Violonista siberiano atraiu olhos e ouvidos o tempo todo no concerto de terça-feira, 20, na Sala São Paulo

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Por João Marcos Coelho
Atualização:

Enquanto assistia ao concerto da terça, 20, na Sala São Paulo, maravilhado com a virtuosidade do violinista siberiano Vadim Repin no Concerto para Violino de Jean Sibelius, pensei na reação oposta que me proporcionou essa apresentação em relação ao concerto de poucos dias atrás, de outro virtuose incontestável, o flautista Emmanuel Pahud.  Vadim Repin, empunhando seu raro Stradivarius de 1733, de um volume de som enorme e timbres formidáveis, atraiu olhos e ouvidos o tempo todo. Já Pahud parecia quase se dissolver no conjunto da Orquestra de Potsdam, tamanha a interação entre eles. Por quê? São duas situações diferentes. Em ambas as noites, fluiu música de qualidade. No caso de Potsdam/Pahud, a batuta de Trevor Pinnock foi decisiva para comandar com finesse um grupo extraordinário de músicos, irmanados do mesmo ideal e com estratosféricas habilidades. A ponto de quase eclipsar o solista. Já com Repin e a Orquestra Sinfônica Estatal de Istambul um fato ficou claro desde a simplória peça de caráter folclórico inicial assinada pelo compositor turco Nevit Kodalli (1924-2009): quando há desnível entre a excelência do solista e a sonoridade da orquestra, o interesse do concerto inteiro desloca-se naturalmente apenas para a peça concertante. No fim da primeira parte, tinha-se a impressão de que a mágica da música já se dera com Repin e seu Stradivarius. Aliás, em certo momento do concerto de Sibelius - peça deslumbrante pelas altíssimas exigências técnicas que requer do solista e de uma qualidade de invenção rara na literatura concertante do século 20, que pede muito da integração entre solista e orquestra -, Repin chegou a indicar com o arco o tempo correto da passagem, chamando a orquestra para segui-lo. A precisão cirúrgica de Repin, aliada a uma sensibilidade de exceção, brilhou como nunca no Allegro moderato inicial, com seu primeiro tema memorável sobre o trêmolo das cordas e uma impressionante execução da primeira cadência, logo na abertura do concerto. Foi a senha para uma interpretação ao mesmo tempo apaixonada e irretocável, sobretudo no dançante Allegro final.  Isso não significa que a orquestra turca seja ruim. Ao contrário, tem bons instrumentistas. Falta-lhe, entretanto, o refinamento que sua parte no concerto de Sibelius exige. Se enquanto esteve em cena Repin dominou a cena de modo avassalador, as deficiências se avolumaram na execução da Sétima Sinfonia de Antonin Dvorak. Não por acaso, o melhor momento do grupo liderado por Milan Turkovic foi justamente o Scherzo: vivace, de cores checas. A orquestra tem a tendência de tocar sempre mais forte do que o necessário. Isso torna a execução mais linear, os contrastes são desbastados. 

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