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Ana Carolina, mais densa, ousada e sexual em novo disco

Como Maria Bethânia e Marisa Monte, a cantora lança CD duplo Dois Quartos

Por Agencia Estado
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Este foi o ano das cantoras e seus duplos CDs. Depois de muito tempo sem lançar um disco-solo, Marisa Monte jogou no mercado dois de uma vez: Universo ao Meu Redor e Infinito Particular. Maria Bethânia fez o mesmo, rumando ao encontro das águas nos CDs Pirata e Mar de Sophia. Agora é a vez da cantora e compositora Ana Carolina ver compactada em dois disquinhos sua obra inédita. Mas ao contrário de suas colegas, Ana Carolina preferiu os dois juntos, na mesma caixinha. Quem comprar o novo Dois Quartos (Sony-BMG) vai levar para casa duas personas musicais da cantora: Quarto, que resume o lado pop (e mais famoso dela) e Quartinho, cujo repertório agrupa canções harmonicamente mais sofisticadas e com arranjos mais densos, à base de voz, baixo, violão e cordas. "Tinha vontade de mostrar esse lado, mas não combinava muito com meu universo pop, do batidão", explica Ana. Realizado o desejo, a cantora sabe que não é o tipo de repertório do agrado das rádios FMs. Mesmo porque, para as massas, ela está garantida com o outro CD, Quarto. "Em 1999, lancei o primeiro, Ana Carolina; em 2001, Ana Rita Joana Iracema e Carolina; e em 2003, Estampado. Logo, em 2005, deveria lançar outro disco, o que não aconteceu, porque um ano antes eu fiz o projeto especial com Seu Jorge, que acabou fazendo sucesso." Quando terminou o projeto, viu-se com um acúmulo de mais de 40 canções inéditas. "Aquilo foi ficando insustentável", lembra. "Acabei dividindo o CD de maneira importante para mim." Mais densa, ousada e sexual Não é só na intimidade de seu Quartinho que Ana Carolina está mais densa. A densidade resvala em algumas letras. Obviamente, ela não abandona a fórmula que a consagrou, que é a de cantar o amor, suas alegrias e dissabores, embalada pela pegada forte de seu violão pop. Mas Ana parece mais ousada no jeito de compor. Mais sexual até, a ponto de descrever relações fervorosas e algumas palavrinhas impublicáveis, em músicas como Eu Comi a Madonna (parceria com Mano Melo, Antônio Villeroy e Alvin L.), do lado do Quarto, e Cantinho (de Gastão Villeroy), do lado de lá do Quartinho. Na primeira canção, revela-se o eu dúbio, homem e mulher. Na segunda, assume a imagem masculina. Em ambas, de maneira viril, reforça. "Conto uma transa com detalhes com Madonna que, no primeiro momento, partiu da cantora mas quando a música estava pronta, achei que existem várias Madonnas por aí." Composição antiga, mas até então só cantada em shows, Homens e Mulheres é a versão pessoal de Ana Carolina (sem originalmente ter essa função) para o hino Meninos e Meninas, de Renato Russo. Versão pessoal e confessional, como todas as canções compostas por ela. "Eu sempre ficava no campo da percepção social, das visões espalhadas sobre várias coisas, mas nunca uma coisa aberta da minha sexualidade, que quem está perto de mim conhece. Nunca tinha colocado isso na minha música, aí pintou essa canção que chama a atenção, porque o tema é forte. Mas meu assessor tem uma frase ótima que quero usar muito: o bissexualismo é que nem mediunidade: todo mundo tem, mas só uns desenvolvem (risos)." Mesmo ainda causando certo impacto, Ana Carolina acha o assunto já antigo, vide a própria música de Renato Russo. "Eu a toco em shows e todo mundo canta. Não sofri nenhum tipo de preconceito; pelo contrário, recebo as pessoas no camarim depois do show, umas duzentas, e a única coisa que ouvi de casal foi que tenho coragem." Voz, instrumentos, depoimentos Mas nem só de amor e sexualidade sobrevive sua música. Ana gosta de escrever pequenas crônicas sociais - ou de denúncias sociais. A instrumental La Critique (parceria com Dunga, Nilo Romero e Antônio Villeroy) abre o Quartinho, pregando o exercício das diferenças. É um trabalho interessante, em que se misturam a voz de Ana, instrumentos excêntricos e colagens de breves depoimentos, colhidos pela cantora no centro psiquiátrico do Rio. Ana queria estabelecer a relação entre a loucura e a normalidade a partir do ponto de vista dos pacientes, ou usuários, como são chamados. Costurou falas de pacientes que, no centro, desenvolvem trabalhos relacionados à arte: pintores, cantores, compositores. "Há caso de psicóticos na minha família, um tio meu tentou o suicídio. Ele era louco, tomava remédios e isso sempre chamou minha atenção. Visitá-lo no hospital de loucos foi algo que me marcou na infância", revela ela. "Meu tio era pessoa muito sábia, porque não sabia de nada, não tinha convívio com a realidade. O artista, quando vai criar, tem um pouco de loucura: faz aquela cisão mas volta para o mundo. O louco faz a cisão e fica lá." Em um momento mais descontraído do novo trabalho, Ana Carolina conduz no pandeiro e no gogó Chevette. Ela canta a sucessão de atropelos da amada, que apronta de tudo para tirá-la do sério. O capô de um carro Chevette de verdade funciona como molho percussivo da canção e deve ser levado ao palco por Ana Carolina em seu novo show, que só estréia no ano que vem.

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