Amir Labaki coloca documentários em diálogo com outras artes no É Tudo Verdade

Edição que começa nesta quinta terá homenagem ao cineasta Eduardo Coutinho

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Havia dois grandes documentários no Festival de Cannes, no ano passado. Normalmente, o público teria de esperar pelo É Tudo Verdade para ver A Imagem que Falta, de Rithy Pahn, e O Último dos Injustos, de Claude Lanzmann, mas ambos já chegaram ao Brasil por meio de diferentes eventos de cinema. Só isso dá uma ideia de quanto mudou o conceito do documentário no País desde que Amir Labaki começou a fazer seu festival internacional. Na quinta, dia 3, começa a 19.ª edição do maior evento de documentários do Brasil. Há quase 20 anos, o gênero dispunha de certo prestígio - graças a clássicos indiscutíveis -, mas certamente não era popular, e demorava a chegar.

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O que era nicho virou segmento de mercado e hoje é rara a semana em que não estejam estreando um ou dois documentários. Apesar disso, o Festival Internacional É Tudo Verdade ainda é o foro para quem quer ver e discutir documentários. Hoje à noite, o evento começa em São Paulo com Canção da Floresta, de Michael Obert. Amanhã, a abertura será no Rio, com Tudo por Amor ao Cinema, de Aurélio Michiles, sobre Cosme Alves Netto, que foi curador da Cinemateca do MAM/Rio. Em ambas as praças, o É Tudo Verdade deve se prolongar até dia 13 e, depois, vai itinerar por Campinas, Brasília e Belo Horizonte.

Dividido naquelas seções que o cinéfilo já conhece - competição nacional e internacional, programas especiais, Estado das Coisas, Foco Latino e retrospectivas -, o 19.º Festival exibirá 77 títulos de 26 países, sendo 19 em première mundial. No ano passado, É Tudo Verdade antecipou-se às discussões que estão ocorrendo agora, na passagem dos 50 anos do golpe militar. O debate sobre a ditadura foi desencadeado pela exibição da versão restaurada de Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho. Este ano, o festival presta homenagem ao grande documentarista, assassinado pelo filho no começo do ano, e volta ao Cabra, exibindo os extras que integram o lançamento do filme clássico pelo IMS, Instituto Moreira Salles. Em A Família de Elizabeth Teixeira e Sobreviventes da Galiléia, Coutinho reencontra não apenas a viúva de... e seus filhos, mas também os camponeses do engenho Galileia que, nos anos 1960, lutavam pela reforma agrária, uma questão ainda não resolvida no País.

"É um ano de descobertas", avalia Amir Labaki e ele conta que, nas diferentes seções, há sempre um ou dois diretores que já participaram do É Tudo Verdade, mas a maioria dos filmes é de novos diretores, outra prova da proliferação do gênero documentário. Em quase 80 filmes, é difícil, senão impossível, apontar um tema, mas ele identifica uma tendência, e ela está na forma. "Os documentários estão cada vez mais preocupados com a questão da linguagem e este ano estão dialogando com as outras artes, pintura, teatro. É tudo muito rico e interessante."

No capítulo homenagens, É Tudo Verdade revela o Shoei Imamura documentarista, que pouca gente conhece no Brasil. Para o cinéfilo, ele é, acima de tudo, o autor japonês que ganhyou duas vezes a Palma de Ouro (por Balada de Narayama e A Enguia). A retrospectiva de Helena Solberg, a primeira que o evento dedica a uma mulher, vai enfim fazer justiça a uma das grandes diretoras do Brasil. Na revisão, Helena cresce, mas a grande surpresa será A Conexão Brasileira - A Luta pela Democracia, que ela fez com David Meyer em 1882, 'explicando' o Brasil para os norte-americanos. Na cara-dura, o embaixador Lincoln Gordon mente para a câmera de Helena. O filme dela é magnífico nesse momento de revisão histórica. E Helena será homenageada também com o lançamento de um livro de Mariana Tavares (sábado, no Rio, segunda-feira em São Paulo).

Brigitte Bardot, Nelson Mandela, Dominguinhos, Los Hermanos, Ai Weiwei - são muitos os retratos de artistas e celebridades, mas eles se completam com obras como Homem Comum, de Carlos Nader, que por 20 anos conviveu com o caminhoneiro Nilson de Paula e reflete sobre as transformações em sua vida, e na de sua família, quando ele adoece. Especialíssimo é O Homem Que É Alto É Feliz? Michel Gondry filma seus diálogos com o filósofo e linguista Noam Chomsky e transforma os encontros em animação. É um dos melhores filmes do celebrado diretor. E embora Amir Labaki não goste de apontar destaques, ele abre uma exceção para A Arte de Observar a VIda, de Marina Goldovskaya, em Programas Especiais. A grande documentarista russa entrevistou colegas como Richard Leacock, Robert e Anne Drew, Albert Maysles, D.A. Pennebaker e Jonas Mekas, tentando saber deles o que é, afinal, um documentário. As respostas são variadas e ilustram a diversidade do conceito de documentário. Mas numa coisa o filme é único - como hino à amizade.

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