Álbum de estreia de Rodrigo Campos elogia bairro do samba

Foi em São Mateus que o compositor cresceu e se envolveu com o samba; confira o CD e o show no Tucarena

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Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

São Mateus, reduto vulcânico do samba de São Paulo, não é o berço de Rodrigo Campos, mas foi sua escola musical. Cavaquinista, violonista, percussionista e compositor dos mais habilidosos da nova geração, ele revela seu filme no ótimo CD São Mateus Não É Um Lugar Tão Longe Assim (Ambulante Discos), que tem shows de lançamento na terça e quinta no Tucarena. Beto Villares, Antonio Pinto, Curumin, Benjamin Taubkin e Luísa Maita, nomes de responsa da cena contemporânea paulistana, estão com ele no CD. Dos quatro só Curumin não participa dos shows. Taubkin, Pinto, Gui Amabis, Missionário José e Gustavo Lenza também assinam a produção de algumas faixas.

 

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A analogia com cinema acima não é gratuita. Em forma de crônica social, as letras das canções, sambas na base, sugerem um roteiro cinematográfico, repletas de imagens, personagens e histórias cotidianas narradas com cortes precisos e ambientadas em São Mateus, zona leste paulistana. Sem demagogia, sem rancor, sem apelar para a "estética da fome". Não é à toa que Campos foi buscar Villares para produzir o álbum. Como Pinto, ele tem feito carreira brilhante como compositor de trilhas sonoras de filmes.

 

A talentosa turma de Campos inclui Fabiana Cozza, que não participa do CD, mas é uma de suas incentivadoras. Ele, que já tocou com Arnaldo Antunes, Céu e Vanessa da Mata, entre outros, é da banda de Fabiana. Uma das faixas mais pungentes do primeiro disco-solo da cantora é dele e se chama São Mateus (que ele não incluiu no próprio CD) e forma uma tríade com Mangue e Fogo (cantada por Luísa Maita) e Salve Fabrício. Esta fala de um pai procurando o filho no dia de sua morte. Fabrício e Marina também são personagens da outra canção, em situações paralelas antes de chegar ao bairro. A que completa a trilogia narra o que aconteceu com Miro no bar da favela.

 

"Eu diria que a minha principal referência de criação é o cinema. Isso acaba me influenciando muito, porque sempre que vou fazer uma música imagino uma cena", diz Campos. As histórias narradas por ele em seu primeiro álbum se entrelaçam e compõem uma espécie de documentário, embalado por música de primeira linha, melodiosa e inventiva. Notam-se ali as tintas modernas de Villares e Pinto, que se desdobram em vários instrumentos e criaram uma envolvente ambiência de textura eletrônica. A Ambulante Discos é uma sociedade dos dois e Campos reconhece no trabalho deles um "movimentozinho" estético, que reverbera em sua criação. "A música do Beto tem muito de atmosfera sonora. É como se ele fosse o diretor de fotografia e fizesse o cenário para eu colocar meus personagens, meu roteiro."

 

É raro um disco de música popular com esse preciosismo narrativo, sem ser maçante nem panfletário. Em parte, o CD de Campos remete ao clássico do hip-hop Sobrevivendo no Inferno (1998), dos Racionais MC’s, só que menos violento. Quando começou a montar o repertório, ele notou que as canções eram muito dramáticas. "Não tinha ainda Amor na Vila Sônia, que fala de um caso de amor. Fui tentando equilibrar melhor as coisas para fazer um disco que abordasse todos os aspectos, saindo daquilo que a princípio se pega da periferia, que é a violência. Procurei falar disso de uma maneira mais sutil, como em Cavaquinho."

 

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Campos assina sozinho 12 das 14 faixas. Nas restantes, uma ele divide a melodia com Villares (Brother José) e noutra (Para Onde Vão os Meninos de São Mateus?, a única não inédita) deixou a letra a cargo de Dr. Morris, codinome de Morris Peixoto, fundador da Urbanda, onde Campos começou. Fim da Cidade é um poético trailer de situações que vêm a seguir, envolvendo afeto, morte, trabalho, lazer, amizade, saudade, tesão, infância, samba, futebol, tempo, amor e fé. Nos cenários há trem, bar, terreiro, estação, rua, ladeira, construção, mangue e o coração de alguém.

 

O título do CD tem duplo sentido. Faz os forasteiros voltarem os olhos para o bairro, mas também é uma viagem interna, emocional do compositor, que volta para compensar a partida brusca do lugar, que ficou "longe na memória". Nascido em Conchas, no interior paulista, Campos mudou-se para São Mateus com os pais Isac e Lúcia - aos quais dedica duas canções homônimas - quando tinha 3 anos. Faz 8 anos que saiu de lá, "num momento crítico familiar". Uma de suas letras mais bonitas, a autobiográfica Rua Três, versa sobre as impressões dessa volta.

 

 

"Sempre fiz parte dos movimentos de samba do bairro, que isso é muito rico lá. Mas saí num momento meio delicado, sem me despedir. Depois de um tempo, as histórias e as pessoas com quem convivi lá foram voltando. Comecei a compor não só pra isso, mas foi uma maneira de estar mais perto do lugar", diz o músico. "Misturo muito coisas que eu vi com outras que imagino, mas é meio querendo mesmo contar o que eu vivi." Jogando bola na rua, ele observava uns moleques fazendo "samba de latinha" em cima da laje de um cortiço. Logo ele entrou na roda em meio a sambas Fundo de Quintal, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Reinaldo.

 

Daí notou que compositores dos discos de Zeca, como Beto Sem Braço, estavam nos de Marçal, por exemplo. "No disco do Marçal já tem uma música do Candeia. Aí você vai no Candeia e acha Cartola, Nelson Cavaquinho. E assim é que fui chegando a Tom Jobim", conta. "Nunca saí muito da música brasileira. Quando fui estudar na Fundação das Artes, em São Caetano, comecei a ouvir os standards de jazz. Mais para a frente, comecei a descobrir música pop com Luísa." Como músico, Rodrigo Campos já era bem credenciado no meio artístico. Agora o conjunto de canções desse CD, um avanço para ampliar o potencial de compositor e letrista inspirado, ainda revela um bom cantor. Não guarde esse nome, espalhe.

 

Serviço

Rodrigo Campos. Tucarena (200 lugares). Rua Monte Alegre, 1.024 - Perdizes. Telefone 3670-8455. Quarta, 15, e quinta,16, 21h30. R$ 20

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