Há três anos, todo mundo sabe de cor a resposta para a pergunta "Qual é a melhor banda francesa?" Trata-se do duo parisiense Air, que lançou apenas um álbum (Moon Safari, em 1998) e uma trilha sonora (The Virgin Suicides, em 2000). Como um vinho de safra, a música esvoaçante do Air (formado pelos franceses Nicolas Godin e Jean-Benoit Dunckel) parecia maturar a cada ano que passava, embebida numa atmosfera híbrida entre uma trilha de filme de Fellini ou de seriados de TV dos anos 60 e uma abordagem neo-kraftwerkiana da rotina industrial. Mas faltava o teste do segundo álbum, que acaba de chegar às lojas. Trata-se de 10.000 Hz Legend (Virgin Records). Em 11 canções, o clima retrô-futurista da música do Air volta com novas sutilezas, desta vez voltando-se com mais ênfase para um diálogo com aquela velha música francesa considerada kitsch. Essa disposição de atualizar um passado musical desprezado pelo "bom gosto" moderno é um elo entre a música do Air e dos americanos Moby e Beck. Não por acaso, Beck e integrantes da sua banda participam desse disco (Justin Meldal-Johnsen e Roger Manning Jr). Beck toca gaita e canta em The Vagabond (da qual é co-autor) e põe sua voz a serviço de Don´t Be Light. Cordas, coros, flautas, harpas, vozes transformadas por vocoders, sussurros que parecem vindos de um set abandonado de Barbarella. Essa é a praia do Air no novo álbum, uma delícia que começa com uma espécie de manifesto, Electronic Performers ("Máquinas me deram certa liberdade/ Sintetizadores me deram asas") e depois se encaminham para o jogo de sutilezas de hábito. How Does It Make You Feel? é a versão século 21 para Je ne T´Aime... Moi non plus. A mais robótica, mais Bucky Rogers dessa coleção de 11 hits é Radio 1, com sintetizadores pré-históricos soando como um vinil velho da Electric Light Orchestra. Em seguida, Beck toma conta da "sua" faixa, The Vagabond, e quebra um pouco o clima, imprimindo seu balanço new-folk. Uma pausa para a instrumental Radian, nada especial, e eles retornam com o fogo aceso em Lucky and Unhappy, uma coisa tipo Ennio Morricone ligado na tomada. Deliciosamente irresponsáveis em Wonder Milky Bitch ou suavemente líricos em Don´t Be Light (na qual brincam de fundir faíscas elétricas com um violão acústico), os meninos do Air não fazem música para mudar o mundo, mas para emoldurar algumas situações. Ouvir o Air pode despertar sensações inusitadas, como a vontade de jogar-se num velho Opala na estrada ou oferecer o último gole de vinho para alguém do lado. Etonnant! Eis os garotos de Versalhes de volta, com seu arsenal de boas idéias.