Adriana Calcanhotto chega a SP com sua nova turnê, 'A Mulher do Pau Brasil'

Cantora fala de sua rotina na Universidade de Coimbra, em Portugal, na qual dá aulas - e para onde volta em 2019

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Por Adriana Del Ré
Atualização:

A cor vermelha inunda o cenário do show. Está no figurino, na iluminação - e no sangue que corre em suas veias. No palco, Adriana Calcanhotto abre seu novo show a cantar a inédita A Mulher do Pau Brasil. E logo nos primeiros versos, a cantora e compositora gaúcha, de 52 anos, fala de si mesma: “Nasceu no Sul/Foi para o Rio/E amou como nunca se viu”. Aliás, do pau-brasil, é extraída tinta vermelha. Está tudo conectado nesse novo espetáculo, batizado também de A Mulher do Pau Brasil. “O pau-brasil foi praticamente dizimado, por causa do tingimento dos tecidos. A Europa usava essa tinta vermelha. Pessoas da nobreza, clero se vestiam de vermelho. Então, quase dizimaram a árvore para que Portugal pagasse sua dívida com a Inglaterra, coisa que não conseguiu”, diz Adriana, ao Estado. “Tem muitas coisas dentro da cor: o sangue da escravidão, o sangue indígena derramado, e o próprio fato de quase ser extinto o pau-brasil. Esse vermelho pode não estar representado na bandeira, mas existe.”

Adriana Calcanhotto. Obra de Adriana Varejão Foto: Leo Aversa

A Mulher do Pau Brasil, a música, foi composta por ela para a nova turnê, que teve início em abril, em Portugal, onde Adriana passou temporadas nos últimos dois anos ministrando aulas na Universidade de Coimbra. E A Mulher do Pau Brasil, o show, que já passou por cidades como Salvador e será apresentado dia 29 no Rio (com sessão extra, às 17h30), chega a São Paulo, no Sesc Pinheiros, entre 6 e 9 de setembro. Já é apontado como um dos melhores shows do ano. O concerto nasceu para ser uma espécie de conclusão de residência de Adriana na universidade. “Fui lá para dar aulas, que eram bem espaçadas de propósito. O produto da residência artística poderia ser qualquer coisa, um livro, um disco, mas o que ocorreu foi o seguinte: lá fiquei consciente o tempo todo dessa experiência que é viver em Coimbra, estar no universo da universidade de lá, que é uma tradição os estudantes brasileiros que vão para Coimbra pensarem o Brasil de fora”, conta. Ela lembrou do show que fez em 1987, em Porto Alegre - quando ainda vivia lá, antes de se mudar para o Rio -, que se chamava A Mulher do Pau Brasil. Na época, Adriana tinha montado a apresentação sob o efeito do Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade (e os ideais modernistas), O Rei da Vela, tropicalismo. Mesmo três décadas depois, esse deslumbramento continua intacto, e ela decidiu então resgatar seu antigo show quando foi convidada no final do semestre letivo para fazer uma apresentação em um festival local, o Sons da Cidade. “Pensei que a coisa que melhor traduziria aquilo tudo que eu tinha vivido e pensado ali eram essas ideias. Decidi refazer o show da Mulher do Pau Brasil, sendo que evidentemente todos esses anos depois não seria o mesmo. Mantive o nome, algumas canções, fiz com power trio, bateria, guitarra e baixo, porque era um show ao ar livre.” Adriana achava que aquela seria sua despedida, mas, mais tarde, foi convidada para passar mais um semestre na universidade. Foi quando pensou em fazer uma turnê portuguesa do show, com uma nova formação de músicos, já que a partir de então o concerto iria ocupar teatros. Após o sucesso em Portugal, o show ganhou versão brasileira, com Adriana acompanhada pelos músicos Bem Gil e Bruno Di Lullo. Assim, canções que já estavam originalmente no repertório, como Eu Sou Terrível, de Roberto e Erasmo Carlos (que, nos anos 1980, abria o show e agora fecha), se juntaram a novas canções de Adriana, compostas em Portugal, como a já citada A Mulher do Pau Brasil, antigos sucessos seus, como Esquadros e Vambora, e músicas de outros compositores, como As Caravanas, de Chico Buarque (que ganhou bela releitura na voz de Adriana). Tudo entremeado por poetas como Gregório de Matos. No Brasil, entraram canções como Geleia Geral (Gil e Torquato Neto) e Nenhum Futuro (João Bosco e Francisco Bosco). “Para mim, o show tem aquela sementinha do primeiro. Ele vai passando por músicos diferentes, alguma mudança de repertório, mas tem um cerne que é o mesmo.” Adriana Calcanhotto nunca tinha pensado em morar fora do Brasil. “Talvez eu não tivesse ímpeto de ir para Portugal e ficar”, afirma ela, em entrevista ao Estado, já de volta ao Rio e agora em turnê com o show A Mulher do Pau Brasil. Mas foi surpreendida. Primeiro, ao ser convidada para ser embaixadora da Universidade de Coimbra, em 2015, e, depois, para dar aulas na própria universidade. “Como embaixadora, pensei que poderia estudar, frequentar bibliotecas, mas aí eles queriam que eu desse aulas. Então, fiz essa primeira estadia, que eram masterclasses, com um tempo para olhar a cidade, e fazer residência artística ao mesmo tempo”, conta. “Deu tão certo que eles pediram para voltar, mas ministrando um curso e, há pouco tempo, me chamaram e vou voltar para uma terceira estada no ano que vem.” E qual é o papel da embaixadora da universidade? “Não tenho nenhuma tarefa específica. As coisas que faço e o público com o qual tenho contato é o que eles querem, porque é um universidade que tem tradição, mas o que querem mostrar é que estão vivos e abertos. Eles adoram os alunos brasileiros, querem mostrar essa abertura, chamar uma pessoa que não é da Academia para ir lá conversar”, responde. “Por enquanto, sou a única embaixadora da Universidade de Coimbra, espero que pensem em mais pessoas pelo mundo.” Nas masterclasses, ela chegou a falar para 500 pessoas. Já em seu curso, sobre como escrever canções, ministrou aulas para um grupo mais reduzido. “Eu nunca tinha tido experiência de ter um curso com os mesmos alunos, que fazem perguntas, tenho de voltar a estudar para responder àquilo, me fazem ver a coisa de um outro ponto de vista, porque têm outra formação. Na minha turma, tinham portugueses de vários lugares de Portugal, brasileiros de vários lugares do Brasil, tive um aluno angolano, gente um pouco mais madura, gente bem jovem, uns de Direito, uns de Psicologia, de Engenharia Química, gente até da Literatura (risos). Foi riquíssimo.” Em Portugal, a rotina acadêmica lhe deu possibilidade de ter mais tempo livre, para ler, compor. “Entre 2016 e 2018, fiz algumas composições, porque essa segunda ida para dar aula - não eram masterclasses, era curso mesmo -, eu tinha uma rotina de aulas, estava mais organizada e com mais tempo livre para compor, mas nem todas essas canções, essa produção era relativa ao show.” Assim nasceu a canção A Mulher do Pau Brasil, composta para o início da turnê. E, ali, além de professora, Adriana é também aluna. E tem se dedicado, por exemplo, a estudar arqueologia. “Larguei o colégio para fazer música. Não é porque eu não gostasse de estudar, é que eu não aguentava o ritual, as matérias que não me interessavam, eu achava que perdia tempo.” Adriana conta que saiu do colégio no segundo ano do que seria hoje o ensino médio. “Eu não conseguia ir à aula, comecei a ir de noite aos bares para ver as pessoas tocarem e não conseguia acordar. O grave é que, na escola, minha mãe era professora. E peitei (os pais), quero fazer música.” No campo pessoal, passar esse período em Portugal também foi importante, após a morte de sua companheira, Suzana de Moraes, em 2015? “Foi, conheci muitas pessoas lá, e o tempo mais alargado para ficar lá, ler, pensar. Ir para lá não é para fugir dos problemas do Brasil, é justamente para olhar melhor para o Brasil, que é tudo o que sempre aconteceu nessa tradição dos estudantes brasileiros que vão para lá e veem o Brasil de outra maneira, e nunca mais se consegue olhar o País de outra forma.” A MULHER DO PAU BRASIL"Nasceu no Sul Foi para o Rio E amou como nunca se viu Depois do rio que tragou No além mar onde emergiu Chamam-lhe A Mulher do Pau Brasil Chamam-lhe A Mulher do Pau Brasil Trabalha no negócio da folia Trabalha no negócio da orgia Trabalha no negócio da poesia Trabalha no negócio do ócio, do ócio, do ócio Nasceu no Sul Foi para o Rio E amou como nunca se viu Depois do rio que tragou No além mar onde emergiu Chamou-se A Mulher do Pau  Brasil Chamou-se A Mulher do Pau  Brasil Trabalha no negócio da folia Trabalha no negócio da orgia Trabalha no negócio da poesia Trabalha no negócio do ócio, do ócio, do ócio Nasceu no Sul Foi para o Rio E amou como nunca se viu Depois do rio que tragou No além mar onde emergiu Chamam-me A Mulher do Pau Brasil Chamem-me A Mulher do Pau Brasil Chamai-me A Mulher do Pau Brasil (Cham I´m A Mulher do Pau Brasil) Chamo-me A Mulher do Pau  Brasil"A MULHER DO PAU BRASIL Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, tel: 3095-9400. Dias 6, 7 e 8 de setembro, às 21h; dia 9, às 18h. R$ 15/R$ 50.   

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