Adriana Calcanhotto canta complexidade brasileira em novo show

'A Mulher do Pau Brasil' traz repertório que a cantora nunca gravou

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Por Roberta Pennafort
Atualização:

RIO DE JANEIRO - Vinda de uma temporada de dois anos na cidade portuguesa de Coimbra, Adriana Calcanhotto chega aos palcos brasileiros cantando um País complexo, de maravilhas e desgraças diárias. No espetáculo “A Mulher do Pau Brasil”, que estreou primeiro em Portugal e passou pelo Teatro Oi Casa Grande, no Rio, na noite desta quarta-feira, 29, a cantora vai do “mar vermelho” de sangue das vítimas do massacre do Carandiru (“Nenhum futuro”, de João Bosco e Francisco Bosco) à “gente insana” que expulsa o “populacho” de “As caravanas” (Chico Buarque), culminando na mensagem esperançosa de “Juízo final” (Nelson Cavaquinho), o bem vencendo o mal.

Adriana Calcanhotto apresenta o espetáculo "A Mulher do Pau Brasil", no Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro Foto: Roberta Pennafort / Estadão

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Intercalando canções que nunca gravou a alguns de seus maiores sucessos – “Esquadros”, “Inverno”, “Devolva-me”, “Maresia”, “Vambora” – a gaúcha abriu a noite saudando amorosamente a cidade na qual vive desde os anos 1980. “Eu não preciso mais dizer isso, a essa altura da nossa relação”, brincou, ao falar da alegria de estar diante da plateia carioca. Bem arquitetado, o roteiro é iniciado com “A Mulher do Pau Brasil”, letra autobiográfica que fala da vinda para o Rio, lugar onde “amou como nunca se viu”, e da estada portuguesa, “o além-mar onde emergiu”. 

Quem abre a noite é uma Adriana-Macunaíma, preguiçosamente deitada numa rede suspensa no centro do palco. É apenas a primeira das alusões à sua proposta antropofágica. Esta, mais literal em sua “Vamos comer Caetano” e em “Geleia geral” (Gilberto Gil), durante a qual, em meio às “relíquias do Brasil”, ela é coroada rainha. O tecido da rede é vermelho, como o é seu figurino, a luz, o piso. É o vermelho do pau-brasil. De preto, estão Bruno Di Lullo (baixo, MPC e piano) e Bem Gil (guitarra, piano, prato e surdo).

As letras de amor que todo mundo sabe cantarolar, como a doída e derramada “Outra vez” (Isolda), sucesso de Roberto Carlos, contrastam com as sombrias “A dor tem algo de vazio”, versos de Emily Dickinson traduzidos e musicados por Augusto de Campos e Cid Campos, e “Mortal loucura”, poema de Gregório de Matos musicado por José Miguel Wisnik, e mais ainda com a violenta “O cu do mundo” (Caetano Veloso) – “a mais triste nação|a época mais podre| compõe-se de possíveis|grupos de linchadores.”

Outro poeta a integrar o show é Vinicius de Moraes, protagonista de uma digressão saborosa que Adriana faz com gosto – a história é sobre a estada dele na Universidade de Cambridge, nos anos 1930, durante a qual o futuro embaixador e compositor matou aulas para namorar. Em sua homenagem, Adriana interpreta “Nature boy” (Den Ahbez), que Vinicius gostava de cantar.

Fernando Pessoa é citado em “Noite de São João” (Alberto Caeiro) – “há São João onde o festejam”, mas não para o narrador. A noite termina sem qualquer traço de melancolia, com “Eu sou terrível” (Roberto Carlos|Erasmo Carlos), uma citação a seu show de 1987, feito em Porto Alegre, que já se chamava “A Mulher do Pau Brasil”. Três décadas se passaram, o Brasil é outro, mas ainda é o mesmo, e Adriana o segue atualizando.

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