A volta do boêmio, em filme e livro

A vida repleta de mitos de Nelson Gonçalves ganha as telas, em filme estrelado por Alexandre Borges e Julia Lemmertz, e as páginas de A Revolta do Boêmio

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Por Agencia Estado
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Frank Sinatra mira fundo nos olhos de Nelson Gonçalves, estende-lhe a mão e confidencia: "É, meu amigo. Eu sou bom mas você é melhor". Anos depois, a Revista do Rádio publica uma tragédia: com o coração despedaçado por não ter correspondido o amor que sentia pelo intérprete, a cantora americana Betty White se suicida ateando fogo ao próprio corpo. Ainda que pairem incertezas sobre histórias relatadas por Nelson, protagonista e única testemunha de muitas delas, quem se debruçar sobre sua obra não vacila em afirmar: é dele mesmo uma das maiores vozes na história da música brasileira. A estréia de um filme e um novo livro na praça fazem o boêmio, em diferentes versões, voltar novamente. O longa-metragem é Nelson Gonçalves, dirigido por Elizeu Ewald, que terá sua pré-estréia amanhã, às 21 horas, em sessão para convidados no Cine Arte Lilian Lemmertz, ao lado do Sesc Pompéia. Na sexta-feira terá suas primeiras exibições ao público na mesma sala. Depois segue para um circuito ainda não definido. A empresa BMG já lançou a produção em DVD. Margareth Gonçalves, filha do cantor, trabalhou como produtora. Alexandre Borges interpreta Nelson Gonçalves, Julia Lemmertz vive sua mulher Lourdinha Batista, Taumaturgo Ferreira é Timbira e Jandir Ferrari é Francisco Alves. O livro chama-se A Revolta do Boêmio - A Vida de Nelson Gonçalves, escrito pelo professor Marco Aurélio Barroso e lançado de forma independente. Ao preço de R$ 40, sua venda só é feita pelo e-mail arevoltadoboemio@bol.com.br. Ao contrário do filme, que confia piamente nos episódios contados por Nelson à imprensa e a seus filhos, a biografia não autorizada de Barroso contesta os fatos e tenta levar ao chão algumas passagens que considera inverídicas. Ewald saiu-se com uma solução honrosa para não se comprometer com as versões que levou em consideração. O filme tem um formato curioso que une o drama ao documentário. Há, além da dramatização, depoimentos de amigos, familiares e imagens de época reais, pesquisadas em arquivos. Forma também de baratear o custo da produção. "Gastei cerca de R$ 500 mil. Um filme deste, hoje, ficaria entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões", explica o diretor. Fundo do abismo - Nelson Gonçalves é de Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, nascido em 1919. Ainda criança, foi trazido pelos pais portugueses a São Paulo, onde foi criado no bairro do Brás. Até aí, não há o que discutir. Mas os questionamentos em sua vida não demoram a aparecer. Ainda na infância, dizem que foi apelidado de "metralha" por causa de uma gagueira que o acompanharia por toda a vida. A gagueira nunca existiu. Nelson era sim taquilálico, um homem que pensa muito mais rápido do que consegue falar. No filme, ele aparece viajando rumo a um show quando seu ônibus é interceptado pela polícia. Dois soldados pedem seus documentos e Nelson, a seu jeito, responde: "eeeeu eeeesqueci." Diz então que é Nelson Gonçalves, mas só consegue provocar risos nos policiais. "Se é Nelson Gonçalves, então canta", o desafiam. Ele canta, e os soldados o liberam mas sem dar o braço a torcer: "Olha aqui ô gaguinho: só vamos deixar você passar porque imitou Nelson muito bem. Mas você não é ele." O encontro com Frank Sinatra, segundo o livro, nunca existiu. Lenda ou não, a passagem relatada pelo próprio Nelson reza o seguinte: quando esteve em Nova York, logo depois de divulgarem que havia gravado duas mil músicas, se reuniu com o intérprete americano e ouviu dele os maiores elogios. "Eu acredito no que ele me contou. E só ele estava lá para saber o que houve de fato", conta a filha Margareth Gonçalves. Há controvérsias ainda sobre a veracidade das duas mil gravações que o boêmio deixou, como está no filme. "Levei em consideração gravações e regravações para chegar a este número", justifica o diretor Ewald. Segundo a publicação de Barroso, elas foram menos de mil. "Muito mito foi criado em torno de Nelson", disse o escritor em recente entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Ao Jornal da Tarde, Marco Aurélio Barroso foi ainda mais enfático. "Quando vi o filme, não acreditei. Não há nada, absolutamente nada, que esteja certo." Os episódios relacionados às drogas são, em qualquer versão, dramáticos. No filme, Nelson pisa no fundo do abismo. "Ele chegou a cantar por um punhado de cocaína", diz Ewald. Quando resolve se curar, tranca-se em uma casa e tenta deixar o vício gradativamente. Mas o traficante que o alimentava, em vingança por perder o cliente, avisa a polícia que o cantor está consumindo drogas. Nelson fica preso por onze dias. Verdades ou invencionices, o fato é que Nelson Gonçalves estabeleceu uma relação singular com a mídia. Soube dar a ela o que era exigido. Uma frase atribuída a ele não deixa dúvidas de que, se não inventou, pode ter aumentado muita coisa. "O homem é a vida que ele tem e o mito que ele cria."

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