A volta de Daniela, com menos eletrônica e mais percussão

A "rainha do axé" de Salvador retorna aos princípios afro-baianos

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Por Agencia Estado
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Daniela Mercury afirma que, onde detecta uma moda, faz questão de virar para o lado completamente inverso. "Isso tem criado desafios pessoais muito grandes para a minha carreira", diz a cantora baiana. Depois de arriscar-se no universo eletrônico, na contramão dos rebanhos, ela botou um pianista erudito no trio elétrico, acaba de enveredar pela trilha de cinema, com as canções de Canta Maria, de Francisco Ramalho Junior, e retorna aos princípios afro-baianos com o registro do colorido show Balé Mulato, um dos mais bem-sucedidos de sua carreira. Ela também selou parceria com a colombiana Shakira num projeto social e vai participar de um tributo a Ennio Morricone ao lado de Eumir Deodato. Por exigência de mercado, Daniela, como a maioria, embarca em mais uma dessas famigeradas dobradinhas de DVD/CD ao vivo em que prega a revolução pela alegria. Mas a versão de palco de Balé Mulato (EMI) é uma certeira descarga elétrica para acender mais um verão. Para diferenciar o CD - que ela considera subproduto do DVD e só lançou a pedido da gravadora -, a cantora gravou duas faixas inéditas em estúdio. Com isso cria mais uma opção para o carnaval (Quero a Felicidade) e outra para a ressaca de meio de ano (Essa Ternura). O procedimento também é previsível, mas tem suas peculiaridades. A primeira traz para o sol baiano um ritmo africano de Angola, o kuduro, que tem algo de samba-de-roda e zouk, mas não é nenhuma coisa nem outra. A segunda é uma versão de César Lemos para a balada A Certain Softness, de Paul McCartney, cheia da ingenuidade que, propositalmente, remete à Jovem Guarda. Assumir o trono de "rainha do axé" em Salvador tem seu ônus. Primeiro pela repulsa que desperta nos detratores de um gênero que, há muito decadente, está longe de exprimir a influência do samba-reggae, gênero sobre o qual Daniela acertou seus ponteiros; segundo porque ela não responde pela selvageria da indústria baiana do carnaval, embora figure na linha de frente, sem apelar para a grosseria generalizada. Convencer o senso comum da diferença "tem sido uma dificuldade" para ela. "Pelo fato de ter esse nome de ?rainha do axé?, tudo que acontece relacionado a esse universo acaba resvalando em mim, como se eu fosse a mentora de tudo o que acontece ali", diz, rindo. "Não tenho essa pretensão, nem nunca tive. Mal consigo dar conta do meu próprio trabalho, que já é bastante grande. Lógico que tenho uma cumplicidade com aquilo tudo, me interessa, quero promover as coisas que são boas. São dezenas de pensamentos diferentes e de culturas dentro da própria cidade." Um desses talentos que agora ganha seu aval cantando Dona Canô (Neguinho do Samba) no DVD é a deslumbrante Mariene de Castro, uma espécie de Clara Nunes rediviva, de voz e presença cena absolutamente marcantes. As meninas da Didá Banda Feminina também proporcionam momentos de fulgor. Com suas saias feitas de bacia de alumínio, impressionam pelo componente visual e ainda se destacam como instrumentos de percussão. A cantora Gil e o compositor Márcio Mello (de quem Daniela canta Nobre Vagabundo e Toneladas de Amor) são os outros convidados. Na condição de quem um dia foi chamada de "a branca mais preta da Bahia", Daniela retorna aos princípios afro-baianos com menos eletrônica e mais percussão, celebrando a negritude miscigenada em coreografias de ritmos frenéticos, enfeitada por cenários e figurinos de cores quentes. O repertório inclui clássicos da negritude incorporados ao repertório de Gilberto Gil - Ilê Aiyê (Que Bloco É Esse), de Paulinho Camafeu, e a versão em português do mesmo Gil para No Woman no Cry, de Bob Marley.

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