'À Noite Sonhamos' inspirou carreira do compositor Ricardo Tacuchian

Músico celebra 75 anos com livros, CD e DVD

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Por Redação
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RIO - Ricardo Tacuchian está sentado em uma sala do Palácio Capanema - e pela janela é possível observar o movimento do centro do Rio em uma manhã de chuva fina e persistente. A memória, no entanto, o leva de volta ao Grajaú, mais precisamente a um “cineminha, simples e meio sujinho”. Foi lá que, na infância, assistiu, acompanhado da mãe, ao filme À Noite Sonhamos - e despertou para o universo da música, do qual jamais se distanciaria: Tacuchian é hoje um dos principais compositores em atividade no País, autor de centenas de obras e celebrado, no momento em que completa 75 anos, por dois livros, um DVD e um CD.

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Talvez seja exagero atribuir exclusivamente à açucarada cinebiografia do compositor Frederic Chopin a paixão de Tacuchian pela música. Mas o fato é que, provavelmente impactada pelo filme de Charles Vidor, de 1945, a mãe resolveu que o filho deveria tocar piano. “Meu pai largou a escola com 12 anos, minha mãe não terminou o primário. Mas a música era presença constante em casa. Ouvíamos sempre a Rádio MEC, especializada em música clássica. E havia também os livros. Meu pai tinha uma enorme biblioteca, ou assim me parecia naquele momento”, recorda ele.

Os meios para que Tacuchian pudesse se dedicar à música se materializaram na casa ao lado: a filha de uma vizinha acabara de se formar em música e começou a dar aulas a Tacuchian. 

Em meio à conversa com o Estado, uma de suas biógrafas, Helizete Higino, remexe em alguns papéis. E surge a foto do menino de calças curtas posicionado no instrumento, “um piano que devia ser de quinta mão”, segundo brinca o compositor.

Brilhante. O violonista carioca Thiago Amud: show de qualidade Foto: Divulgação

O ato de fazer música nunca lhe pareceu, no entanto, um exercício de isolamento do mundo. Aluno da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, estudou piano, composição e regência. E logo passou a atuar no diretório acadêmico. “Aquilo, nos anos 1960, era um foco de agitação. Eu lembro que criamos uma orquestra filarmônica estudantil e havia um professor que tentou de tudo para acabar com o grupo, achava que era coisa de comunista”, lembra ainda. Não por acaso, sua Cantata dos Mortos, escrita nos anos 1970, ficou proibida durante 13 anos. Ao falar do período, no entanto, Tacuchian diz que “música não é panfleto”. “O que ela pode fazer é exprimir o que, em determinado instante, por conta de contextos específicos, as pessoas estão sentindo”, explica.

A atividade como compositor esteve sempre ligada à função de educador. Ricardo Tacuchian foi professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da UniRio, criando a cadeira de Música Brasileira; nos EUA, deu aulas na New York University; em Portugal, lecionou na Universidade Nova de Lisboa. 

Mas é de uma outra experiência que ele prefere se lembrar. Foi nos anos 1980, quando Darcy Ribeiro era secretário de Cultura do Rio de Janeiro. Com apoio do governo, Tacuchian viajou pelo interior do Estado, descobrindo um patrimônio musical “riquíssimo” e catalogando a existência de bandas e conjuntos em cada cidade pela qual passou. Até que reuniu 2 mil músicos em um concerto celebração na Apoteose. “Todo ser humano é um educador, não apenas o professor. E isso vale também para o compositor, cujo papel mudou muito no século 20. Não é mais possível ignorar a função social do nosso trabalho”, acrescenta.Autor criou sistema próprio de composiçãoFoi uma coincidência. A pesquisadora Valéria Peixoto, da Academia Brasileira de Música, resolveu homenagear o compositor Ricardo Tacuchian, que presidiu a instituição, com a edição do catálogo de suas obras quando descobriu que Helizete Higino, da Divisão de Música e Arquivo Sonoro da Fundação Biblioteca Nacional, já trabalhava em projeto semelhante. As duas, então, resolveram unir esforços - e passaram a trabalhar no livro Ricardo Tacuchian e Sua Obra, lançado este mês. Elas contam que o trabalho foi facilitado pela “extrema capacidade de organização” do compositor, que não apenas manteve suas obras catalogadas como escreveu notas de programas que auxiliam o trabalho do intérprete e de quem quiser estudar sua música. O livro, segundo as autoras, tenta abarcar o caráter multidisciplinar da trajetória de Tacuchian, mas também se foca em temas importantes da sua escrita. Em especial, o Sistema-T de composição, que, entre o tonal e o atonal, significou um diálogo particular com o pós-modernismo, uma das marcas do músico. A evolução - ou transformação - da escrita de Tacuchian também pode ser sentida no disco em que o Quarteto Radamés Gnatalli registrou os quatro quartetos de cordas do compositor. As peças, afinal, foram escritas entre 1963 e 2010, demarcando cada momento de sua trajetória. E o mesmo vale para a pesquisa desenvolvida pelo violonista Humberto Amorim, que resultou no livro Ricardo Tacuchian e o Violão, que será lançado no começo de 2015, e em um DVD com suas obras para o instrumento. “O que me chamou a atenção foi o modo como Tacuchian se dedicou ao violão ao longo de seus anos como compositor, com uma produção extensa e um concerto para o instrumento que está entre os mais brilhantes já escritos”, conta ele. “Observando essas partituras, temos um olhar privilegiado desse pluralismo sintético, que abarca várias tendências e, em cada uma, oferece uma marca bastante pessoal.” O livro de Amorim relembra ainda um dado histórico importante: Tacuchian foi responsável, em 1980, pela primeira cátedra universitária de violão no Brasil. “Eu lembro que, quando era estudante, um colega entrou com um violão na universidade e um professor das antigas ficou escandalizado, achando aquilo um absurdo”, conta.Celebrações Ricardo Tacuchiane sua ObraBiografia e catálogo musical, escrito por Valéria Peixoto e Helizete Higino e editado pela Fundação Biblioteca NacionalRicardo Tacuchian e o ViolãoLivro e DVD editados de forma independente por Humberto AmorimQuarteto Radamés GnatalliEm CD, grupo interpreta os quatro quartetos escritos por Tacuchian

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