A ascensão livre de Lucas Santtana

Com 3 Sessions e nova temporada de shows, o compositor baiano reforça a tendência de uma geração de artistas independentes que renegam padrões estabelecidos

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Por Agencia Estado
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Baiano radicado no Rio, o compositor, guitarrista e cantor Lucas Santtana é um dos cérebros mais criativos de uma geração independente do pop brasileiro, que vem tomando atitudes arrojadas e inovadoras. São músicos que primam pela liberdade de criação, em processo coletivo, crescem e evoluem subvertendo todos os procedimentos que a falida indústria fonográfica impôs durante décadas. "Minha geração não ganha dinheiro com venda de CDs. O disco é só um portfólio para os shows", diz o músico. A exemplo dos pernambucanos do Mombojó e do Bonsucesso Samba Clube, Santtana e seu grupo Seleção Natural oferecem todas as faixas de seu terceiro álbum, o ótimo 3 Sessions in a Greenhouse no site www.diginois.com.br para download grátis. Para lançar o CD físico, ele faz temporada no Studio SP, às quintas-feiras. Computadores fazem arte com sua arte. Além das músicas inteiras, a cada mês vai estar disponível no site uma faixa aberta para se criar remixes. A primeira é Lycra-limão, que tem os takes de baixo, bateria, voz, guitarras e metais em canais separados. As faixas em arquivos de MP3 podem ser trabalhadas com qualquer programa virtual de música. Santtana diz que a idéia é "deselitizar completamente". Só quem quiser comercializar o remix vai precisar de sua autorização. A internet, tão temida e odiada pelas majors, é grande aliada de Santtana e seus contemporâneos, como ferramenta importante de distribuição e divulgação. De velho, só a tese da criatividade que advém da necessidade. "Não faz sentido ficar repetindo fórmulas", diz Santtana. Sobrinho de Tom Zé e filho de Roberto Sant?Anna, produtor de discos que dirigiu a poderosa Philips entre 1975 e 1981, cresceu nesse meio e sabe onde pisa. A experiência com os discos anteriores, Eletro Ben Dodô (2000) e Parada de Lucas (2003), deu novas pistas. "Consegui chegar a lugares distantes como Fortaleza e Brasília fazendo shows lotados. Como não apareço na TV nem toco no rádio, fiquei curioso em relação a isso. Descobri que o público me conhecia devido à internet", conta. A troca de arquivos avulsos pela internet também vem tirando de cena o velho conceito de álbum. Santtana é um dos que já trabalham dentro dessa nova realidade que, na verdade, é uma volta à era pré-LP, quando só se lançavam singles. "A cultura da faixa é muito maior que a do álbum. É como ouvir música no rádio." Apesar disso, "3 Sessions in a Greenhouse" tem uma unidade dentro da diversidade de ritmos negros fortes, como samba, reggae e outras cadências afro-cubanas, com que Santtana edifica orgânica e eletronicamente sua música. O novo trabalho - gravado todo em três sessões ao vivo dentro de um estúdio - tem a linha de baixo e a batida da bateria à frente de tudo e revela maior proximidade com o dub (derivado instrumental do reggae e do ska, caracterizado por efeitos de eco e reverb), um dos elementos mais constantes na mistura que ele faz. "Meu trabalho é um mix de muitas coisas, mas nesse disco o dub é o que unifica. Nem tanto como estilo, mas como técnica, como ferramenta de produção e mixagem." (Lauro Lisboa Garcia) Lucas Santtana. Studio SP. Rua Inácio Pereira da Rocha 170, 3817-5425, Vila Madalena. São Paulo. 5.ª, 22 h. R$ 15. Até 29/6 Seralheiro da música, passa tudo pelo coador do club "O samba não é só anúncio, propaganda de TV: compra aê, vende aê!" Quem adverte é o cantor e produtor Lucas Santtana em seu novo álbum, 3 Sessions in a Greenhouse. Pode parecer provocação, já que uma de suas escolhas para o disco é a canção Faixa Amarela, hit do garoto-propaganda mais disputado do samba, Zeca Pagodinho. Mas é mais que provocação. É reinvenção. O produtor reprocessa repertórios, tanto o próprio quanto o dos outros, cimentando tudo numa única espinha dorsal: os procedimentos dos riddims jamaicanos (bases instrumentais de baixo e bateria usadas no reggae, raggamuffin e dancehall; o termo é a apropriação jamaicana do inglês rhythm). Fundir Zeca Pagodinho com Lee "Scratch" Perry, cavaquinho com Sly & Robbie, no entanto, não é sua única subversão. Ele levita entre Salvador, Havana e Kingston. Ouvem-se polaridades distintas na música de Santtana, mas não existe o fator acaso. Tudo que ecoa ali tem sentido e deliberação: o som percussivo da Bahia, a riqueza harmônica dos trombones e dos arranjos de sopros à maneira afro-cubana, a reverberação do dub. Depois da jam session inicial de Awô Dub, que abre o disco, Lucas nos brinda com um samba irresistível, Tijolo a Tijolo, Dinheiro a Dinheiro. O "breque" da canção é uma citação quase indetectável de Mora na Filosofia, de Monsueto (Não vou me preocupar em ver/Meu caso não é de ver pra crer), via Caetano Veloso. Lucas Santtana recicla ainda repertório muito recente da música brasileira, como o mangue beat de Nação Zumbi e mundo livre s/a (na faixa Pela Orla dos Velhos Tempos). Toalha nova não enxuga, lembra Santtana, repetindo bordão de Chico Science. Então, dá-lhe a velha esponja, a guitarrinha à Armandinho em Lycra-limão, o charme da vanguarda à John Zorn em Into Shade (letra de Arto Lindsay). A palavra também lhe é cara, e ele a trata muito bem nas letras e nos tributos. Este broto semente prospera esta fértil esfera edifícios, demolições, crateras construções que também vão ficar velhas, diz Virginia Woolf em The Waves, pela tradução de Lya Luft, citada em A Natureza Espera. Ele age como o velho tio revolucionário, Tom Zé (que empresta voz e uma música para o CD, Ogodô Ano 2000): assume-se como um músico-serralheiro, mecânico de desmanche que usa solda e esmeril elétrico para fundir sua música. E a palavra álbum nunca foi tão precisa: canções contínuas, ligadas em conceito e organicidade. O disco de Santtana entusiasma, Contagia. (Jotabê Medeiros)

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