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509-E, o rap em missão de paz

A dupla formada por Dexter e Afro-X, marido de Simony, está lançando o CD 2002 Depois de Cristo, que traz percussão, um coro de rappers mirins e até um sorriso de criança

Por Agencia Estado
Atualização:

509-E era nada mais que a sigla que identificava a cela em que viviam os detentos Marcos Fernandes de Omena e Cristian de Souza Augusto, no Complexo Presidiário do Carandiru. Atualmente, 509-E também identifica uma das duplas mais populares do rap nacional, formada pelos rappers apelidados de Dexter e Afro X, respectivamente, ambos com 29 anos. A dupla acaba de lançar o segundo disco, 2002 Depois de Cristo, que deve repetir o impacto do primeiro, Provérbios 13, e mostra um avanço na confecção da sonoridade. A faixa Olha O Menino - recheada de referências a Jorge Ben Jor - apresenta vários rappers mirins, que rimam com desenvoltura, cantam o refrão e fazem da música a melhor de todas do disco. Marido da cantora Simony, Afro X está em liberdade condicional há quatro meses. Dexter continua cumprindo pena e foi transferido para a Penitenciária de Franco da Rocha, depois da desativação do Carandiru. Ambos foram presos por assalto à mão armada. Leia a seguir a entrevista com os dois. Agência Estado - O disco tem mais instrumentos gravados que o anterior. Por quê? Afro X - A gente estava com essa vontade desde o primeiro disco mas, da Casa de Detenção, não dava para coordenar isso. Então acrescentamos um elemento que vai fazer a diferença no rap brasileiro, que é a percussão. Por que não usar esse tempero brasileiro se temos os melhores percussionistas do mundo? Por que você não conseguiu sair do presídio para gravar? Dexter - Não rolou porque o ano foi turbulento no sistema prisional e isso acaba dificultando. Afro X - A gente não está pedindo para extinguir a pena dele, somente uma liminar para ele continuar trabalhando. O que vocês acharam da desativação da Casa de Detenção? Dexter - Não é a Casa de Detenção que tem quer ser desativada, O problema é o sistema carcerário, que não incentiva a recuperação. Gastam dinheiro com presídio mas não vão à raiz do problema, que é a educação do nosso povo. E os presídios continuam lotados. Para você, como preso, mudou alguma coisa? Dexter - Depois da mega-rebelião, em fevereiro de 2001, tudo piorou. Antigamente, o preso podia receber oito visitas por semana, agora é só três. E a blitz da tropa de choque está entrando direto na cadeia. Eles derrubam nossa garrafa de água no colchão, jogam nosso café no chão. O que vocês acham de quem associa o rap ao crime? Afro X - O rap é crime porque vai contra o sistema. Dexter - E é música de marginal mesmo, de preto, de pobre que mora na favela. Afro X - A gente não tem preocupação de agradar todo mundo, porque sabemos quem precisa ouvir o rap. O rap é do povo. Vocês acreditam que as crianças que cantam em "Olha O Menino" podem ver no rap uma chance para não cair no crime? Dexter - O fato dessa molecada estar cantando rap é uma resposta para quem tem preconceito. Eles já conheceram o rap e, provavelmente, não vão cair no crime. Afro X - A música começa com uma risada do meu filho Ryan, tá ligado? Não sei se ele vai querer ser rapper mas eu já tô mostrando uma saída para ele. Dexter - O 509-E tem um público infantil muito grande. A idéia da letra é mostrar que o crime não é a saída. Os heróis da molecada da favela, infelizmente, são os caras que circulam carregando fuzi. Se a gente não trabalhar para que esta situação mude, eu não sei nem se o meu filho vai ser feliz, tá ligado? O que vocês pensam dos trabalhos de rappers como Ndee Naldinho, que fazem apologia ao crime? Dexter - O 509-E tem a responsabilidade com o que fala e o que faz e quem ouve tem que saber discernir. É que nem a televisão: eu vejo mas só absorvo aquilo que eu acredito que é positivo - que, na minha avaliação, é de cerca de 2%. O resto, eu jogo no lixo. Quem ouve rap tem que ter essa mesma consciência. Vocês já se conheciam antes de se encontrarem no Carandiru? Afro X - A gente se conhece desde criança. Crescemos na mesma região de São Bernardo do Campo e desde criança jogávamos bola junto nos campos de terra. Foi coincidência vocês caírem na mesma cela? Dexter - O Afro X foi preso antes do que eu, ele em 1994 e eu em 1998. Ele rodou o sistema viajando até chegar na Casa de Detenção. Eu fui preso no interior, fui rodando de cadeia em cadeia até chegar no Carandiru em 1999. Afro X - Quando um companheiro seu chega na cadeia, você pode botar ele na mesma cela que a sua. Como é estar livre? Afro X - Maravilhoso, lindo... Tô muito contente, passei no vestibular em direito na Unip e estou dando minha parcela de contribuição para os pivetes da minha quebrada acreditarem que é possível fazer uma faculdade, que ele não precisa ser só rapper, pagodeiro ou jogador de futebol. E você fica até quando? Dexter - Só preciso da sentença de um último processo para fazer uma apelação para que as penas caiam um pouco - estou condenado a 24 anos. No ano que vem talvez eu já consiga uma transferência para um regime semi-aberto ou até mesmo uma condicional.

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