01 de agosto de 2021 | 07h00
Até pode parecer que estou advogando em causa própria, mas provas incontestáveis nos apontam que a estrela do Brasil é mesmo a mulher. Um país onde mais de 11 milhões de brasileiras criam seus filhos sem ajuda do pai e que uma em cada quatro é vítima de violência doméstica – o Brasil é o quinto do ranking mundial de feminicídio – mostrou esta semana exemplos de força e resiliência descomunais nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Mulheres criadas por mulheres que nunca desistiram dos sonhos de suas supermeninas.
O que chamam de coincidência – e que chamo de uma amostra do nosso país – levou duas meninas-mulheres de origem humilde, cercadas pela sombra de limitações causadas pela desigualdade social, a desafiarem o destino programado para suas vidas e se tornarem gigantes aos olhos de todo o mundo. Rebeca Andrade, 22 anos, se inspirou em outra de nossas guerreiras, Daiane dos Santos, que em 2000, em Sydney, fez nossos olhos brilharem com uma apresentação ao som de Brasileirinho.
Antes da prata, Rebeca Andrade andava duas horas a pé para treinar e saiu de casa aos 9 anos
A representatividade que tanto insistimos fez Rebeca e, claro, a mãe, e maior incentivadora, acreditarem que fosse possível. Rebeca levou seu Baile de Favela e conquistou a medalha olímpica para todas nós. A ginasta paulista começou como atleta do projeto social Iniciação Esportiva, da Prefeitura de Guarulhos. Sua mãe, empregada doméstica com sete filhos, teve enorme dificuldade em mantê-la treinando e contou com uma rede de apoio para cada passo dessa jornada.
Do Estado que lidera o ranking de brasileiros vivendo em extrema pobreza no Brasil vem nossa grande “fadinha” do skate, Rayssa Leal, 13 anos, que nasceu e treina diariamente em Imperatriz, no Maranhão. Uma das primeiras frases de Rayssa ao receber a medalha foi: “Agora a gente pode provar que não é só para meninos”.
Consciente, aos 13, de sua condição como mulher brasileira, ela construiu nessa frase a ponte para milhões e expressou o que eu mesma sinto várias vezes em minha própria trajetória de trabalho. Separadas por mais de 40 anos, por estados e condições sociais, estamos unidas por um Brasil que dificulta a vida feminina. Somos mais parecidas do que diferentes: somos conhecedoras do papel limitante que tentam nos impor.
Mulheres como Rebeca e Rayssa teimam a cada quatro anos a desafiar as estatísticas e aquecem nossos corações com esperança e incentivo. A questão é que assistindo à Olimpíada desde minha primeira lembrança com Nadia Comaneci, tempo em que a ginástica olímpica era um sonho distante para as brasileiras e o skate, esporte de meu irmão, uma realidade totalmente inatingível para mulheres, testemunho o empenho, a resistência e a luta das brasileiras.
Hoje, vivo entre a alegria de assistir às conquistas de Rayssa e Rebeca e a indignação por não termos mais Rayssas e Rebecas a cada quatro anos.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.