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‘Costurando Sonhos’ capacita em Paraisópolis e ajuda mulheres a conquistar independência

Situação de vulnerabilidade social e de violência doméstica em que alunas estão inseridas é observada na seleção

Foto do author Gilberto Amendola
Por Gilberto Amendola
Atualização:

Em meados de 1993, Elizani Nascimento Silva saiu do Piauí para tentar a sorte em São Paulo. Na capital, foi morar na comunidade de Paraisópolis, uma das maiores do Brasil. Nos primeiros meses, conseguiu um trabalho como auxiliar de limpeza – mas a saudade de casa e a depressão fizeram com que ela caísse no alcoolismo. O jeito foi retornar para sua terra natal.

Antes de conseguir se estabelecer definitivamente por aqui, Elizani fez o percurso Piauí–Paraisópolis outras duas vezes. Quando entendeu que a comunidade da zona sul paulistana era sua casa, decidiu complementar sua renda com algo que sempre sonhou fazer – mesmo sem o conhecimento, os instrumentos e a capacitação adequada. “Eu nunca tinha usado uma máquina de costura. Eu costurava na mão mesmo. Às vezes, usava cola de tecido ou Super Bonder na costura. Ficava tudo meio esquisito, mas era assim que eu me virava”, lembrou.

Elizani Silva com peças que costura no projeto que mudou sua vida: 'Sou dona do meu futuro', diz Foto: Werther Santana/Estadão

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A história de Elizani começou a mudar quando ela conheceu o projeto Costurando Sonhos Brasil e, de fato, pôde aprender o ofício que sempre amou. “Hoje, aos 47 anos, costuro de verdade e consigo fazer planos, pensar além. Sou dona do meu futuro”, disse Elizani.

Mas para a vida de Elizani entrar nos eixos foi preciso que muita coisa acontecesse. Para isso, é preciso relembrar a história de outras duas figuras de Paraisópolis: Suéli Feio, de 51 anos; e Maria Nilde dos Santos, de 58. 

Técnica em contabilidade, Suéli é paraense, da Ilha de Marajó. Em 2014, chegou à comunidade de Paraisópolis para ajudar o líder comunitário Gilson Rodrigues em projetos sociais da região. Nessa época, conheceu a advogada maranhense Maria Nilde – que já trabalhava com Gilson.

Logo, as duas se tornaram amigas inseparáveis. Um dia, enquanto atuavam no atendimento de mulheres em situação de vulnerabilidade, acompanharam o caso de uma garota, usuária de drogas, agredida com um bebê no colo pelo próprio companheiro. “Os dois (mãe e bebê) foram agredidos. Essa situação nos marcou muito e decidimos tentar algo para quebrar esse círculo de violência”, falou Suéli. “A gente logo entendeu que a mulher vítima de violência doméstica, também sofria de baixa estima e era dependente desse marido violento. Então, nosso passo principal era capacitar essa mulher para que ela se sentisse segura e independente”, disse Maria.

Suéli e Maria começaram a discutir qual seria a melhor capacitação para as mulheres da região. Primeiro, pensaram em um curso culinário; depois em um curso de maquiagem e beleza (mas que foi descartado porque poderia despertar ciúme dos maridos) e, finalmente, chegaram ao corte e costura. “É um curso que não demora para fazer, a pessoa pode trabalhar de casa e outras vantagens”, comentou Suéli. 

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Em 2018, as amigas iniciaram o projeto Costurando Sonhos em um sala do pavilhão G10 das Favelas (organização não governamental que reúne lideranças das maiores favelas do País e projetos de empreendedorismo social) com apenas cinco máquinas de costura e dez alunas (que se revezavam nas máquinas durante as aulas). Desde o início, a seleção das alunas leva em consideração a situação de vulnerabilidade social e de violência doméstica em que elas estão inseridas.

Não demorou para que uma parceria com o Senai melhorasse a estrutura e aumentasse o número de máquinas de costura (hoje são 20). Além disso, a participação do Instituto Social C&A trouxe para o projeto o conhecimento em precificação, tendências de moda e outras ferramentas. A partir do curso, o projeto transformou-se também em uma oficina de criação e passou a comercializar suas peças. Os produtos podem ser encontrados no site www.costurandosonhosbrasil.com.br e até no site de uma rede gigante como a Americanas.

Um dos primeiros produtos da Costurando Sonhos foi uma simples ecobag. “Na época, não foi por consciência ecológica, mas era resultado da nossa pobreza mesmo. Era o que tinha de mais barato para produzir”, disse Suéli. Hoje, o projeto já capacitou quase 400 mulheres, lançou 3 coleções de roupas e acessórios, paga salário para quem trabalha na oficina de criação e ainda compra a produção de colaboradoras que trabalham em casa.

Durante a pandemia, as costureiras de Paraisópolis produziram mais de um milhão de máscaras para a própria comunidade e até para favelas em outros Estados. “Muitas costureiras não passaram fome por conta da produção de máscaras”, relata Suéli.

O Costurando Sonhos virou referência na comunidade. Quase todos os dias, mulheres de Paraisópolis e região procuram o projeto. Esse foi o caso da Camila Oliveira, de 24 anos, que já estava garantindo sua vaga na próxima turma. “Sou uma pessoa criativa. Sempre quis criar roupas e crescer nesta área. Estou muito animada com a oportunidade”, disse. 

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