Contornos de uma noite em Paris

Não era que não gostasse de sair. A verdade é que não gostava da conversa superficial que a noite na balada pede

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Por Alice Ferraz
Atualização:

O restaurante era o mais badalado de Paris durante as Semanas de Moda e, naquela noite, com céu aberto e uma lua que talvez só se veja na Cidade Luz, tudo parecia brilhar mais intensamente. Foram sem reserva com a certeza do líder da turma de que seriam acomodados, quem negaria uma mesa a pessoas tão elegantes? “Mas será, gente?”, ela ponderou. “Sem reserva mesmo?” Como seu papel de chata para noitadas já era conhecido, respirou fundo e foi. Afinal era só um jantar, um pequeno desafio.

Não era que não gostasse de sair. A verdade é que não gostava da conversa superficial que a noite na balada pede. Seu foco e sua atenção eram frágeis e tinha feito um trabalho de uma vida para ter a concentração que alcançara na maturidade. Uma noite assim a deixava em seu papel menos confortável. Falar sobre nada, sem expressar opinião e simplesmente aceitar e sorrir, era uma tarefa árdua. 

Ilustraçãopara a coluna de Alice Ferraz Foto: Juliana Azevedo

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Na chegada, mesa negada. Sem reserva, nada feito. Ela deu um leve sorriso, pensando que a noite acabaria ali mesmo. Ingenuidade sua. A turma tinha foco e decidiu ficar até conseguir a mesa. E assim foi. O grupo incomodava na recepção, andando de um lado para o outro e perguntando dezenas de vezes se algo havia vagado.

Às tantas, a recepcionista exausta da trupe finalmente cedeu o tal lugar. Nessa altura, ela sabia que sua cabeça e ânimo já haviam se perdido. Ambientes têm o poder de nos transformar, elevar ou afundar. Se viu, de repente, afundando degrau a degrau naquelas águas que já conhecia e de que não gostava. 

A linda garçonete com shorts curtíssimos e olhar lânguido veio delicadamente tirar o pedido e a noite então assumiu o contorno para o qual estava sendo preparada. A jovem mulher seduzia e deixava-se seduzir. Noites assim exigiam habilidade para lidar com o flerte sem maiores consequências.

Para ela, no entanto, esse era um lugar conhecido e sombrio onde a falta de limites já tinha feito seus estragos na juventude. Se deu conta de que a linha não poderia ser atravessada novamente. Levantou nitidamente indisposta, pediu desculpas e saiu pela noite clara de Paris, clara como as conversas e olhares que, a essa altura da vida, preferia ter.

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