Coluna da Alice Ferraz: O branco dos olhos

Pessoas iguais criam parâmetros convenientes e aleatórios para definir diferenças que as tornem melhores ou únicas

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Por Alice Ferraz
Atualização:

“A Barra é um mundo diferente do Leblon”, foi a explicação que recebi logo pela manhã para uma pergunta informal e sem pretensão alguma de rivalizar os personagens dos famosos bairros do Rio de Janeiro, onde fazia uma breve visita profissional. Na parte da tarde, a mesma explicação foi feita sobre o bairro oposto: “Ah, aqui é Leblon e não a Barra”. Refleti então na perda de tempo que é a valorização das diferenças que são absolutamente indiferentes. Afinal, quão distintas podem ser pessoas que moram no mesmo país e cidade, durante a mesma geração e, nesse caso, que ainda são da mesmíssima classe social? 

Pessoas iguais criam parâmetros convenientes e aleatórios para definir diferenças que as tornem melhores ou únicas. Acredito profundamente que somos mais parecidos que diferentes, mais comuns em nossas escolhas do que pensamos e essa obsessão por observar nuances superficiais prejudicam a colaboração tão necessária para a vida em sociedade. 

Somos a única espécie de primatas que tem o branco dos olhos pronunciado e essa característica permite que acompanhemos o olhar do outro. Foto: Juliana Azevedo

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O Leblon e a Barra, no Rio, são só um exemplo do que fazemos também em São Paulo ou em qualquer outra cidade do mundo. Quem mora em Higienópolis é diferente de quem mora no Jardim Europa? Em qual medida essa suposta diferença afeta decisões importantes na vida de empreendedoras, mães, donas de casa, profissionais liberais ou executivas que moram ou trabalham nesses bairros? E, mais que isso, o quanto valorizar essas diferenças cria uma separação inconveniente para a melhora da vida de todos? 

É só parar para conversar com atenção por alguns minutos com uma mulher que trabalha em São Paulo no ano de 2021 para entender que ela tem dores e anseios parecidos com os meus. Nossas preocupações familiares, carências, vivências são mais próximas que distantes e, nos despindo do esconderijo de nossas máscaras, somos apenas mulheres brasileiras que podem ter trocas, amparo e aprendizado mútuo se minimizarmos nossas antenas para o diferente e alterar para o que é igual, comum e prioritário. Focar no enredo e não na alegoria, sabe? 

O historiador e pensador europeu Rutger Bregman, em seu último livro Humanidade uma história otimista do homem, vai bem longe nesta análise de que somos mais parecidos e abertos a estarmos juntos do que nossas diferenças e afirma: “Os seres humanos nasceram para aprender, se relacionar e interagir. Somos a única espécie de primatas que tem o branco dos olhos pronunciado e essa característica permite que acompanhemos o olhar do outro. Somos livros abertos e o foco da nossa atenção é claro para qualquer um”, explica. “Sobrevivemos como Homo sapiens porque coabitamos em grupos maiores e migramos para outros grupos com facilidade. Nosso anseio por relações cria novas conexões e não diferenças”, conclui. 

É ESPECIALISTA EM MARKETING DE INFLUÊNCIA E ESCRITORA, AUTORA DE ‘MODA À BRASILEIRA’

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