Autonomia para o erro

Em "Luxúria", a escritora americana Raven Leilani propõe um caminho de liberdade e normalização para a imperfeição feminina

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Por Miriam Stein  
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Fenômeno da literatura contemporânea americana, Raven Leilani começou a escrever aos 13 anos, em plena Nova York millennium, quando sua família adquiriu o primeiro computador com um software de texto com senhas para os documentos. A ideia de poder fazer algo que parecesse “verdadeiramente privado” seduziu a menina que se sentia desesperadamente sozinha na Big Apple. Ela começou a dar voz ao que chama de “desencadeamento de seu próprio frenesi”. O resultado desse processo, que teve início há cerca de vinte anos, está no livro Luxúria, que acaba de ser lançado pela Companhia das Letras no Brasil.

O livro, seu romance de estreia após contos publicados em prestigiadas revistas literárias, arrancou elogios de peso, como da escritora inglesa Zadie Smith, que a chamou de uma das “mais promissoras vozes jovens negras femininas” da literatura atual. Acumulou também prêmios: Kirkus Prize, Center For Fiction First Novel Prize e foi eleito um dos melhores livros do ano por The New York Times, Guardian e Los Angeles Times. Apesar do frenesi – agora da crítica –, Raven é avessa aos rótulos e definições.

Raven Leilani, autora do livro "Luxúria" Foto: Nina Subin

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Em entrevistas quando despontou nos EUA, a escritora afirmou que o objetivo do livro foi, justamente, o de não circunscrever a mulher negra a um lugar restrito e conhecido por muitos, o da “guerreira, forte e batalhadora”. “É importante para mim que as mulheres negras da minha ficção tenham liberdade de ação para serem falíveis e, portanto, humanas. Eu queria honrar a realidade do cálculo interno incessante que fazemos para sobreviver e queria mostrá-lo como é uma tirania.” 

O olhar dessa escrita segura nasce na esteira de outras pensadoras feministas negras contemporâneas, como Toni Morrison e, no Brasil, Djamila Ribeiro, que pregam a liberdade e a autonomia de escolha. “Foi emocionante escrever sobre uma mulher negra que comete erros, muitas vezes os mesmos, repetidas vezes. E que ela também quer ser tocada e buscar sua arte.”

Edie, a personagem principal, é uma garota na casa dos 20 que busca encontrar seu caminho artístico. A pintura também tem um papel fundamental na vida da escritora. Inclusive, é por meio de suas pinturas (disponíveis em seu Instagram @raven_leilani), que a autora define como sendo seu “primeiro amor”, que ela vai de encontro a suas frustrações, uma certa limitação técnica que amortece o próprio processo de escrita. Ou seja, ela sofre pintando e isso a conforta na escrita.

Uma militante do direito à imperfeição, a americana convida os leitores a mergulhar em uma espécie de normalização, refutando a ideia de inspiração. “As histórias chegam até mim sem uma forma real e então escrevo para descobri-las. Significa que escrevo nos cantos o tempo todo, mas a alegria está na descoberta. Tenho que ficar sozinha quando trabalho e geralmente faço isso na minha própria cama. Eu escrevo na cama e pinto na cama.” 

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