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Alice Ferraz: Danuza

Sincera e rápida, Danuza abria em seus livros a sua própria vida e a vida de uma sociedade da qual a jovem conhecia bem as regras

Por Alice Ferraz
Atualização:

Ela tinha 22 anos e uma fome de vida que parecia não caber no roteiro que tinha sido traçado há muitos anos pela força da comunidade em que vivia. Delicadamente, ela afastava a sensação incômoda de se sentir encurralada por escolhas e visões distorcidas do caminho que gostaria de trilhar. 

Estava noiva depois de um longo namoro de oito anos e pensava que o casamento poderia ser uma ponte para a liberdade, uma forma de aval para ser uma mulher “respeitada”, mas também dona de seu próprio nariz. Seu marido seria seu cúmplice, amigo e, juntos, estariam livres para descobrir o mundo fora da bolha em que ambos tinham sido criados. O que não sabia, no entanto, era que respeito é conquistado em solidão e que tinha de ser sozinha antes para poder estar em liberdade com alguém.

Danuza para a coluna de Alice Ferraz Foto: Juliana Azevedo

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Em uma breve parada na livraria do shopping, deu de cara com o título que lhe chamou atenção. Manual de Etiqueta parecia adequado ao momento embrionário em que vivia. Na breve folheada, deparou-se com a escritora brasileira que foi definida como “uma mulher só, por nunca ter feito parte de uma grande maioria, uma mulher que não concordava com o estado das coisas e com energia brigava por tudo para de tudo gostar com energia ainda maior”. E, assim, a jovem ao comprar um pretenso manual de etiqueta começou uma íntima relação com Danuza Leão. Íntima porque ler Danuza era ser íntimo dela. 

Sincera e rápida, Danuza abria em seus livros a sua própria vida e a vida de uma sociedade da qual a jovem conhecia bem as regras. De forma clara, sem pudores e sem medo do julgamento, a escritora expunha fatos pessoais e mostrava a existência de um tipo de mulher brasileira que tinha conquistado um lugar interno de encontro consigo mesma, com uma visão lúcida sobre seu passado e uma serenidade quanto ao espaço que ocupava. 

A jovem já tinha lido sobre mulheres assim, mas nunca tão próximas, nunca uma brasileira e nenhuma pareceu tão imersa em sua realidade. A marca do livro seguiu a vida da jovem, em sua separação, nos novos relacionamentos, no trabalho e nas tantas brigas que também travou para mudar o status quo definido para mulher brasileira. 

Passados 32 anos do dia na livraria, a jovem, agora no auge da força de uma mulher de meia-idade, se deparou com a notícia de que Danuza, aos 88 anos, partira naquela noite. Chorou pelo mundo feminino perder Danuza e agradeceu profundamente ter tido Danuza em sua vida.

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