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Alice Ferraz: A bolha

De encontro em encontro e de diferente em diferente, o mosaico de pequenos espaços se forma, separando quem era daquela “turma” e quem não era

Por Alice Ferraz
Atualização:

O padrão era o mesmo, a cada reunião. Ela abria sua escuta atenta ao cliente e este naturalmente discorria dirigindo sua atenção sobre problemas e vontades todas preenchendo uma caixinha lotada de certezas absolutas nascidas de uma só realidade e vivência. 

“Alice, entenda, o cliente que personifica minha marca é diferente” – e uma figura era, então, desenhada com contornos de uma exatidão sobre-humana. O que faz, onde mora, o que consome, tudo baseado em dados e pesquisas. 

Ilustração Bolhas para a coluna de Alice Ferraz Foto: Juliana Azevedo

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De encontro em encontro e de diferente em diferente, o mosaico de pequenos espaços se forma, separando quem era daquela “turma” e quem não era. Quanto mais entrincheirados em suas certezas, menos disponibilidade para criar existe nesses encontros. 

A tal imagem forte e precisa que definirá o grupo pode levar a um primeiro momento de glória, chamado pelo psiquiatra suíço Carl Jung de “embriaguez da massa”, algo que preenche quem dela faz parte e precisa dela para consolidar sua vivência. 

Naquelas reuniões, ela percebia que, infelizmente, o comportamento humano continuava a se fortalecer na segurança e no conforto emocional das antigas comunidades. Mas será que em 2022, mais de um século após Jung jogar luz sobre essa dinâmica de identificação com o grupo, o ser humano não conseguiria diluir certezas e formatos para construir uma interlocução menos rígida que leve à transformação? 

Será mesmo que o melhor caminho para construção e fortalecimento de comunidades é que elas sejam feitas e blindadas com portas de aço ou temos ainda espaço para grupos unidos, mas que são envoltos por finas camadas permeáveis como bolhas de sabão? Bolhas que se tocam, se transformam e, às vezes, se fundem.

Recebeu, então, uma mensagem de alguém que poderia ser considerado de outra bolha. Ficou com medo de ouvir, tinha muitas vezes esse pânico de ser pega de surpresa pelo desconhecido e não saber reagir da forma como deveria. Respirou e ouviu a mensagem. 

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“Alice, li seu texto sobre o amor e gostaria de te convidar para escrever o prefácio de meu livro”, dizia em linhas gerais a mensagem de um talentoso escritor brasileiro que, desperto e lúcido, enxergou algo além da imagem que ela própria achava refletir.

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