23 de março de 2022 | 13h03
BOLONHA - Yuval Noah Harari, autor do best-seller Sapiens, nunca ensinou história para crianças, mas tem uma pista de como convencê-las de que este é um assunto interessante. “Não fale da história como se ela pertencesse ao passado. Comece pelos problemas que enfrentamos hoje. E prefira soltar perguntas a fazer grandes explicações”, disse o israelense em sua passagem pela Feira do Livro Infantil de Bolonha, onde anunciou que prepara a série juvenil Unstoppable Us, sobre como os humanos dominaram a Terra, e falou sobre a Ucrânia e o peso de uma história que devemos deixar para trás.
Unstoppable Us terá quatro volumes e no Brasil vai se chamar Implacáveis. O primeiro livro da coleção, Implacáveis: Como Nós Conquistamos o Mundo, será publicado pela Companhia das Letrinhas em setembro. A cada ano, um novo volume chegará às livrarias.
As ilustrações são de Ricard Zaplana Ruiz e foi desenvolvido, ainda, um workshop, com jogos inclusive, para ser usado em sala de aula com duração total de quatro horas. “Depois de Sapiens, comecei a receber pedidos de adaptação para crianças, mas eu não tinha tempo nem habilidade para fazer isso. Então me uni a pessoas especiais e embora tenha apenas um nome na capa ele foi feito por muita gente”, disse o historiador em Bolonha.
Este é um livro que conta a história dos humanos desde os tempos em que éramos apenas macacos vivendo na savana e segue até o tempo em que nos tornamos quase deuses por voarmos em aviões e espaçonaves. “É o livro que eu queria ter lido quando um tinha 10 anos e é, de uma certa forma, um livro que escrevi para o meu eu de 10 anos.” Segundo o autor, se ele conhecesse essas informações naquela época, quando só estudava religião, muitos dos seus problemas não existiriam.
“Somos prisioneiros da história inventada pelos mortos do passado que ainda dominam nossa vida”, comentou o historiador. “Se formos pensar na tragédia da Ucrânia, é uma única pessoa impondo sua fantasia a milhares de pessoas. E ele tem o poder de transformar sua fantasia pessoal numa tragédia para milhares de pessoas. Para mim, a questão de aprender história não tem a ver com lembrar o passado, mas sim nos libertarmos dele. Não podemos mudar o passado. Acabou. O que foi feito está feito. Mas podemos nos libertar dele para podermos criar um futuro melhor. Mas é difícil”, continuou.
Para o historiador, escrever, agora, para crianças foi importante, em suas palavras, porque se tem alguém que vai poder mudar o mundo são elas.
Agora, para saber o que dispensar e o que guardar, para não transmitir as mesmas opiniões e o mesmo ódio geração após geração é preciso, ele diz, conhecer a História.
Ainda sobre a questão política, o historiador diz que uma pequena elite domina tudo e usa seu poder para dissolver a confiança entre as pessoas. “Quando as pessoas não confiam umas nas outras, elas não conseguem se organizar e não se unem contra nada nem ninguém, incluindo os ditadores.”
A História é, em sua opinião, uma coisa chata quando apresentada como algo que aconteceu no passado. “O jeito de transformá-la em algo interessante é começar pelos problemas que enfrentamos hoje. Por exemplo, podemos começar por uma conversa sobre bullying para chegar aos ditadores, ou então colocar a pergunta ‘por que temos que ir para escola?’ para voltarmos à Idade Média.”
Yuval Harari acredita que devemos escutar as crianças, mais do que falar para elas. “Devemos levantar questões como ‘quais são as diferenças entre judeus e árabes e por que eles estão brigando?’ e ver a cabecinha delas funcionando.” A coisa mais importante, ele diz, é fazer com que sejam curiosos sobre questões essenciais que já foram esquecidas pelos adultos. Assim, o que o historiador busca com esse novo projeto é fazer com que as crianças questionem mais. “Todo ser humano, na infância, faz perguntas, mas depois as deixamos de lado. É muito importante continuar fazendo essas perguntas profundas e fundamentais ao longo da vida e descobrir o que nos conecta.”
Ainda nesta linha, Harari deixa um recado: “Mantenha vivo o sentimento de confusão e ignorância das crianças. Elas têm que fazer perguntas”. E, como adultos, ele diz, temos que fazer um esforço e criar grandes narrativas para as novas gerações. “Devemos dar a eles uma grande história sobre o mundo. O que menos eles precisam hoje é de informação. Precisam de ferramentas para dar sentido a isso. E a História é uma dessas ferramentas.”
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